"Antes de desenvolver qualquer produto, ouça quem precisa da acessibilidade", diz Fernando Campos


Foto em primeiro plano de Fernando Campos. Ele tem pele branca, cabelos e olhos castanhos, e usa aparelho nos dentes. Ele sorri, veste uma camisa clara de manga comprida com gola e botões na frente.
Fernando Campos se junta ao time do Web para Todos em prol da acessibilidade digital. Foto: arquivo pessoal

O jornalista e escritor Fernando Campos é um jovem muito bem humorado, praticante de surf e apaixonado por literatura. Essa paixão o levou a escrever seu próprio livro, intitulado “Enxergando além do Atlântico”, que trata sobre o período em que viveu sozinho no Reino Unido para um intercâmbio educacional.

Sua rotina intensa inclui dar palestras motivacionais e praticar seu ativismo por um mundo mais inclusivo especialmente para pessoas com deficiência. Faz isso criando conteúdo nas mídias sociais e em seu canal no YouTube, chamado “Na visão do cego”, onde leva mensagens de inclusão, representatividade e motivação. 

Fernando perdeu a visão aos dois anos de idade devido a um tumor que atingiu seus dois olhos. Sua história de vida inspirou a criação do personagem Filipe na novela Malhação, da Rede Globo. Pedro Tergolina, ator que o interpretou, conviveu por um tempo com Fernando para entender mais a fundo como é a experiência de uma pessoa cega.

Fernando Campos acaba de ingressar ao Movimento Web para Todos como um de nossos embaixadores. Acessibilidade digital para ele é a garantia de igualdade entre todas as pessoas e a principal forma de eliminarmos as barreiras no ambiente digital é por meio da educação. 

Na entrevista que fizemos com ele, você conhecerá mais um pouco sobre sua vida, rotina, causas defendidas e como a tecnologia pode ajudar, mas também atrapalhar quando não é empregada da maneira correta em sites.

WPT: Como você perdeu a visão? Pode nos contar um pouquinho da sua história?

Fernando: Perdi a visão aos dois anos de idade em decorrência de um retinoblastoma bilateral, que é o tumor maligno ocular mais frequente em crianças. A luta contra o câncer motivou a minha família a fundar a Casa de Apoio à Criança com Câncer Durval Paiva, que é uma instituição referência no país no tratamento de crianças e adolescentes com câncer. 

WPT: Como foi sua experiência de estudar em escolas regulares? Como foi o processo de adaptação dos materiais didáticos para a realidade de um estudante que não enxerga? A tecnologia facilitou isso em algum aspecto?

Fernando: Minha vida estudantil enfrentou alguns percalços, como eu imagino que seja para estudantes com algum tipo de deficiência no Brasil. Para ser sincero, nunca encontrei resistência por parte da escola em me acolher. A “inclusão social” acontecia sem problemas, o que não se repetia com a “inclusão intelectual”, visto que nem todo professor estava disposto a me acolher. 

E, apesar de constar no Estatuto da Criança e do Adolescente que toda instituição de educação tem como obrigação ser inclusiva, isso infelizmente não condiz com a realidade. Algumas vezes, alguns professores diziam que saíam de casa muito cedo e não tinham como fazer um plano de aula diferenciado para mim.

Com o advento da tecnologia, muitas portas se abriram. Com a proximidade do vestibular, senti a responsabilidade aumentar e busquei conversar com pessoas que já haviam passado pelo o que eu estava passando. Dessa forma, descobri vários recursos que me ajudaram bastante, como o gravador, o scanner, entre outros.

WPT: Você acabou de lançar o livro “Enxergando além do Atlântico”, que trata sobre sua experiência durante um intercâmbio educacional no Reino Unido. Qual foi sua motivação para escrever esse livro?  

Fernando: Sempre fui apaixonado pela literatura e sonhava em escrever livros e contar minhas histórias. Além disso, o livro corrobora com o meu discurso motivacional, que busca fazer as pessoas acreditarem em si mesmas. A obra também é mais uma ferramenta que ajuda a desfazer preconceitos e estereótipos, mostrando para a sociedade, por meio da informação, que a pessoa com deficiência é capaz de realizar o que ela quiser. 

WPT: O que significa acessibilidade digital para você? Qual é a importância dela em sua vida?

Fernando: Quando falamos em acessibilidade, logo associamos a rampa e elevador. Mas, a acessibilidade vai muito além disso. É a garantia de igualdade entre todas as pessoas. O acesso ao mundo digital revolucionou a minha vida de uma forma muito positiva. Hoje, realizo grande parte do meu trabalho de forma online, recebendo e enviando emails, atualizando as redes sociais, participando de eventos e muito mais.

WPT: Quais são as principais barreiras que você encontra ao usar a web e o que você faz para contorná-las?

Fernando: As mais diversas, como sites com plug-ins inacessíveis, páginas excessivamente visuais e, por incrível que pareça, os recursos impensados que são implementados de forma equivocada em algumas páginas e que terminam esbarrando no leitor de tela usado por mim. Para contornar essas situações, não me restam tantas alternativas senão colocar mais um elemento nessa jogada e pedir ajuda de alguém.

WPT: Que recado você gostaria de dar às pessoas que desenvolvem sites e aplicativos?

Fernando: Antes de desenvolver qualquer produto para o grande público, ouçam as pessoas que realmente precisam da acessibilidade. Dêem lugar de fala a elas para que seja produzido algo realmente coerente com a acessibilidade.

WPT: Na sua opinião, como é possível conscientizar as pessoas para que considerem sempre acessibilidade em seus projetos e canais digitais?

Fernando: Por meio de palestras, entrevistas, capacitações. A arma principal que temos para conscientizar as pessoas é a informação. 


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