“Pessoas com deficiência precisam ser protagonistas de projetos acessíveis”, diz Beto Pereira




 

Beto Pereira está sério. Ele tem cabelos curtos, está usando óculos escuros e uma blusa azul.
Beto Pereira, vice-presidente da ONCB. Foto: Reprodução / Vídeo.

Por Elza Maria Albuquerque*

Beto Pereira, 44 anos, é um apaixonado por questões sociais. E isso foi potencializado quando entrou na Laramara – Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual, em 1998, para fazer um curso de atualização profissional. “Foi a partir daí que descobri todo o encanto e a magia do terceiro setor, da inclusão social, da acessibilidade e da defesa dos direitos humanos”, conta.

Ele nasceu com baixa visão devido ao descolamento de retina e perdeu progressivamente a visão a partir dos doze anos de idade até ficar cego. “Ser uma pessoa com deficiência é um desafio em qualquer lugar do mundo porque lidamos com questão da diversidade humana, e com necessidades específicas inerentes à falta de visão e, muitas vezes, com a falta de informação e as barreiras online e físicas”, explica. De todas essas barreiras, ele afirma que a atitudinal é a que requer mais atenção da sociedade.

A trajetória profissional do Beto reflete também o seu engajamento social. A comunicação é uma das suas ferramentas para tornar o mundo cada dia mais inclusivo, sempre em busca de aumentar o alcance da mensagem positiva e de eliminar barreiras. Ele é sociólogo, radialista, jornalista, palestrante e, atualmente, além de vice-presidente da Organização Nacional dos Cegos do Brasil (ONCB),  atua como consultor de acessibilidade e inclusão na Laramara. É também um dos embaixadores do Movimento Web para Todos.

Por gostar tanto de rádio e por acreditar no potencial transformador da plataforma, criou a rádio ONCB ao lado de diversos profissionais. A iniciativa conta com a parceria da Organização dos Estados Íbero-Americanos (OEI) e a Secretaria Nacional da Pessoa com Deficiência. “A proposta da rádio ONCB é falar de deficiência, de forma leve, mesclando música com informações gerais. Ela tem contribuído com uma sociedade mais justa, inclusiva e que respeita a diversidade”, diz.

Abaixo, leia a entrevista que realizamos com Beto sobre sua história de vida e seu engajamento com a inclusão. Entre outros temas, ele destaca a importância dos movimentos dialogarem mais com a sociedade.

Movimento Web para Todos – Como é, para você, ser cego no Brasil?

Beto Pereira – Ser cego é um desafio em qualquer lugar do mundo porque lidamos com a questão da diversidade humana, com necessidades específicas inerentes à falta de visão e, muitas vezes, com as inúmeras barreiras (online, físicas, entre outras).

Tudo isso ainda pode ser somado à falta de informação. E eu diria que a barreira atitudinal é a que requer mais atenção, mais cuidado e mais zelo da sociedade. Isso porque, a partir do momento em que temos pessoas informadas, conseguimos também transformar os ambientes ou reduzir grande parte dos obstáculos urbanísticos, arquitetônicos e de acesso.

Ser uma pessoa com deficiência visual é um desafio em qualquer lugar do mundo. E, no Brasil, não é diferente dadas as especificidades de cada lugar.

Movimento Web para Todos – Quais são os desafios e os pontos positivos no seu dia a dia quando falamos de acessibilidade física e online?

Beto – Um dos pontos positivos é que as tecnologias abarcam uma série de novas possibilidades, mas para que elas realmente tenham um impacto positivo, é fundamental que sejam concebidas com acessibilidade, pensando na diversidade humana, na pessoa com deficiência. Esse é o grande desafio.

As pessoas precisam buscar a informação. E falta boa vontade dos desenvolvedores dessas tecnologias. Infelizmente, estamos em uma cultura que não pensa nos espaços para todos e isso acaba impactando diretamente o dia a dia da acessibilidade digital.

Muitos acham que investir em acessibilidade é desnecessário. A informação existe e está disponível tanto para a acessibilidade digital quanto para a física. Basta procurar, ter interesse e entender que as pessoas com deficiência são consumidoras, frequentadoras, clientes. São pessoas que podem usar os espaços físicos e virtuais.

Movimento Web para Todos – Quando começou seu interesse em militar pela acessibilidade? E por qual motivo?

Beto – Começou desde cedo. Faz parte da minha história de vida. Sou de uma família simples, do interior, mas recebi muito amor, atenção e cuidado. Isso fez de mim essa pessoa com tendência para as questões humanas.

A minha chegada na Laramara também colaborou para que eu entendesse a importância desse setor. Foi a partir do meu contato com ela que comecei a entender o papel, a importância deles em cumprir inúmeras atividades que o governo não consegue cumprir. Isso me levou a estudar, a entender e a colocar essa minha vivência como atendido na ONG a serviço do terceiro setor. Eu me apaixonei pelo tema. Terceiro setor tem tudo a ver com pessoas, necessidades dos seres humanos, cultura, território, eliminar preconceitos, quebrar barreiras físicas e virtuais. Isso é apaixonante.

Tenho muito orgulho de praticamente levar as organizações que apoio e colaboro no meu sobrenome. De vez em quando, ouço as pessoas mencionarem: “Fale com o Beto da Laramara; “Fale com o Beto da ONCB”; usam o nome dessas e de outras organizações que represento em algumas circunstâncias. É um carinho que recebo com muita alegria.

Movimento Web para Todos – O que pode ser feito para engajar mais pessoas com deficiência visual pela causa da acessibilidade digital?

Beto –
O engajamento sempre foi e sempre será um desafio do movimento representativo das pessoas com deficiência, das entidades, das próprias ações que buscam inclusão, acessibilidade e defesa de direitos.

A explicação disso é que as pessoas, muitas vezes, olham somente para elas mesmas. O pensamento acaba sendo: “É a minha necessidade; é o que eu preciso; é o que eu quero”. E, assim, acabam se esquecendo de olhar para o coletivo.

E esse engajamento parte muito de um olhar e de uma necessidade legítima de buscar seus objetivos pessoais e o objetivo coletivo não fica sequer em segundo plano. Fica esquecido. Precisamos transformar esse olhar. Transformar o “eu” em “nós”. E, para isso, os movimentos precisam dialogar mais com a sociedade e que essa linguagem seja simples.

Essa comunicação precisa ser eficaz e capaz de dar conta de dizer o quanto o movimento representativo das pessoas com deficiência é importante para a inclusão de milhões de cidadãos. Temos que trazer as pessoas, principalmente os jovens, para essa roda, para essa parceria, para esse envolvimento.

Movimento Web para Todos –  O que falta para a sociedade se engajar na causa da acessibilidade digital?

Beto –
A sociedade precisa ter boa vontade de procurar as informações porque elas estão disponíveis. Ela pode se capacitar, fazer um processo de busca que possa dar as informações corretas e tenha colaboradores, voluntários ou apoiadores com deficiência porque nada sobre nós sem nós.

É fundamental que essas informações disponibilizadas por consultorias, equipes, projetos e atividades sempre tenham pessoas com deficiência como referência, lideranças, como contratados, como apoiadores. Estamos falando de protagonismo. Os projetos estão aí e as pessoas com deficiência podem e devem participar de projetos que envolvem acessibilidade digital. Assim, será possível transformar de forma mais efetiva.

Movimento Web para Todos – Pra você, o que é fazer parte do Movimento Web Para Todos?

Beto –
Fazer parte do Movimento Web para Todos é uma oportunidade de difundir informações, conhecimento, envolver pessoas, dialogar e engajar. O mundo está precisando muito de diálogo.

As pessoas, mais do que nunca, precisam de informação correta e técnica, de informações que compartilhem a participação ativa das próprias pessoas com deficiência, do próprio segmento, das entidades, da defesa de direitos.

É por isso também que tenho muita alegria de participar desse movimento. Ele tem esse diferencial de implantar realmente a marca do novo e, de fato, promover o protagonismo da pessoa com deficiência visual e de seus inúmeros segmentos.

*Elza Maria Albuquerque é repórter do Movimento Web para Todos.

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