Conheça Carlos Ferrari e sua luta por um mundo mais inclusivo

Autor do termo acessibilidade líquida fala sobre o impacto negativo que ocorre na sociedade quando as empresas fecham as portas de seus sites para pessoas com deficiência.



Carlos Ferrari com leve sorriso no rosto. Ele tem cabelos curtos castanhos escuros. Ao fundo, há uma estante com livros.
Carlos Ferrari, um dos embaixadores do Movimento Web para Todos. Foto: Arquivo pessoal.

Por Natalia Alcantara*

Foi na década de 90 que Carlos Ferrari, embaixador do Movimento Web para Todos, teve contato com a internet pela primeira vez. Ele é cego desde os seis anos de idade devido a um glaucoma congênito e esse acesso à web aconteceu graças a um sistema operacional com base no uso intensivo de síntese de voz chamado DOSVOX. O programa foi criado por um dos núcleos de computação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Com a conexão discada, Carlos e outras pessoas com deficiência visual conseguiam estudar, trabalhar e interagir com outros usuários.

Hoje, sua forma de navegar melhorou muito com o aumento de tecnologias assistivas disponíveis no mercado. Para ele, em termos de acessibilidade, a tecnologia em si já não é um desafio, e sim uma aliada. Mas as empresas fecham as portas por não etiquetar um botão, ou por gerar uma opção de captcha (teste de validação de formulários) totalmente impossível de ser operada por mais boa vontade e empenho que o usuário cego venha a ter.

Carlos diz que a maior dificuldade é o que ele chama de acessibilidade líquida. “O nosso grande desafio hoje não é mais a tecnologia. Ela nos dá a condição para termos sites totalmente acessíveis. Eu cunhei um conceito dizendo que nós vivemos em tempos de acessibilidade líquida. Isso porque as barreiras são bastante efêmeras e, por isso, podem ser vencidas e reconstruídas a qualquer tempo”, explica Ferrari.

Ferrari busca contribuir para a sensibilização das pessoas para a causa da inclusão e da acessibilidade digital em seus trabalhos como professor universitário, conteudista e consultor. Atualmente, atua como secretário de tecnologia e acesso à informação da União Latino-Americana de Cegos (ULAC), é diretor de comunicação do Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência (CRPD) e diretor de articulação e relações institucionais da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB). Ele também é membro da Social Soluções, um coletivo criado para promover o intercâmbio de reflexões e conhecimentos e oferecer consultoria com foco na qualificação da gestão e no controle social de políticas públicas.

Em junho deste ano, Carlos participou da Enabling Summit Conference, nos Estados Unidos (EUA),  representando a União Latino-Americana de Cegos (ULAC). Confira o vídeo que ele publicou no Facebook com um resumo sobre o evento.

Confira, abaixo, a entrevista que fizemos com ele!

WPT – Como foi o seu primeiro contato com a tecnologia?
Carlos Ferrari – Foi nos anos 90, quando eu estava terminando o ensino médio e entrando na faculdade. No Brasil, passou a ser difundido um sistema operacional chamado DOSVOX, desenvolvido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Era uma interface bem interessante, bastante amigável e que nos permitia editar texto. Usar um endereço de e-mail próprio desse sistema operacional. Tinha um navegador próprio. Era uma solução revolucionária naquele momento. Anos mais tarde, eu descobri que, graças ao DOSVOX, a UFRJ e uma parceria de universidades públicas, nós, cegos, fomos os precursores no uso da internet no Brasil. Acessávamos via internet discada. Minha pesquisa de mestrado foi justamente sobre isso, como a internet afetou a vida dessas pessoas, inclusive fazendo com que criassem relacionamentos afetivos. Se casassem. Descasassem. Foram momentos bem interessantes. Havia encontros presenciais anuais desse DOSVOX. E foi assim que tudo começou.

WPT – De lá pra cá, houve alguma melhora na navegação ou você ainda encontra barreiras? Pode dar exemplos?
CF – A minha navegação é muito melhor agora por conta das tecnologias assistivas que nós temos. O grande desafio não é mais a tecnologia, que nos dá a condição para ter sites totalmente acessíveis. Eu cunhei um conceito, inclusive publiquei um artigo sobre isso, dizendo que nós vivemos em tempos de acessibilidade líquida. Porque as barreiras são bastante efêmeras e, por isso, elas podem ser vencidas e reconstruídas a qualquer tempo. Há que se ter uma consciência coletiva dos riscos dessa efemeridade de barreiras e o tempo inteiro estarmos vigilantes para que elas não existam.

WPT – O que podemos fazer para mudar este quadro de “acessibilidade líquida”?
CF – Em tempos de acessibilidade líquida é fundamental irmos além dessa condição de vigilantes. É preciso que sejamos propositivos e criativos. Temos que chamar o mercado e apresentar para eles o quanto a acessibilidade pode se configurar como um diferencial. Não só para venda e captação de novos clientes, mas um diferencial de responsabilidade social. Empresas fecham as portas por não etiquetar um botão, ou por gerar uma opção de captcha (teste de validação de formulários) totalmente impossível de ser operada por mais boa vontade e empenho que o usuário cego venha a ter. Então, em tempos de acessibilidade líquida, alianças são fundamentais e fazem a diferença.

WPT – Qual é a importância das pessoas com deficiência participarem de movimentos em prol da inclusão e da acessibilidade?
CF – É fundamental. Eu sou diretor de relações institucionais da Organização Nacional de Cegos no Brasil (ONCB) e não vejo outro caminho para que nós possamos avançar na luta por direitos. Se não estivermos à frente e se não tomarmos parte, vai ser muito difícil conseguirmos resultados de verdade e com qualidade. Fica mais fácil de caminhar na luta pela acessibilidade na web tendo aliados como o Movimento Web Para Todos. Com gente moderna, de ponta, e que conhece o que se pode fazer de melhor na internet e quais impactos isso tem na vida das pessoas. Com uma aliança como essa, sabemos que é possível trilhar esse caminho de maneira ainda mais qualificada.

WPT – De que maneira você sensibiliza as pessoas a respeito da importância da acessibilidade e inclusão na web?
CF – Sensibilizo as pessoas por meio da luta no Movimento Web para Todos e do meu trabalho como professor. Além disso, tenho uma consultoria que dialoga com várias empresas e prefeituras pelo Brasil todo. Eu sensibilizo o tempo inteiro por meio da minha própria história. E busco mostrar também, nas situações mais simples e mais cotidianas, o quanto a geração de uma barreira, seja por conta de um captcha ou um botão não etiquetado, pode me tirar do jogo. Eu procuro mostrar isso o tempo inteiro para as outras pessoas.

WPT – O que representa fazer parte do Movimento Web Para Todos e qual é a importância das ações realizadas pelo movimento?
CF – Ter uma aliança com Web Para Todos é precioso. Nos dá a oportunidade de criar pontes de diálogos com vários players de mercado e, com isso, fazer um trabalho preventivo importante para que as barreiras de acessibilidade não surjam e para que tantas outras possam ser vencidas.

*Repórter: Natalia Alcantara.
Edição: Elza Maria Albuquerque

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