“É importante compreender a diversidade, percepções e experiências de vida das pessoas surdas”, diz consultor


Foto do Alexandre Ohkawa em uma área externa, durante o dia. Ele sorri e faz o sinal "I love you". Ele tem cabelos curtos e lisos, barba grisalha. Usa óculos preto, blusa preta e uma máscara preta com parte transparente na área da boca, que mostra seu sorriso. Ao fundo, há algumas plantas.
Alexandre Ohkawa é surdo, um dos embaixadores do WPT, busca soluções para aumentar a inclusão dos surdos tanto no mundo físico quando no virtual. Foto: Arquivo pessoal.

“Não quero que a atual e a futura geração dependam de pessoas para ter acesso às informações ou para resolver problemas simples, como ainda acontece hoje”. Esse é um dos apelos do Alexandre Ohkawa para tornar a web mais acessível. Ele é surdo, um dos embaixadores do Movimento Web para Todos, e sabe o que é viver isso no dia a dia. 

Devido à sua incansável busca de soluções para aumentar a inclusão dos surdos tanto no mundo físico quanto no virtual, Alexandre se tornou apoiador e militante de diversas iniciativas, como o próprio Web para Todos, W3C BrasilHand Talk, Empatia do Silêncio e SAS – Semana da Acessibilidade Surda

Ele ainda atua como vice-presidente da Associação dos Surdos do Estado de São Paulo – Vem Sonhar, é arquiteto, consultor, gestor cultural, apresentador do canal Coneckta,  analista e gerente de comunidade da empresa Hand Talk. 

Por onde passa, Alexandre destaca a importância de falar sobre o olhar da comunidade surda e sua diversidade em relação à acessibilidade digital. “O que diferencia a Libras do português é a modalidade da língua – a estrutura linguística e gramatical. Na comunidade surda, vemos diferentes grupos. O importante é compreender que cada um deles tem suas percepções e experiências de vida, e isso é o que chamamos de diversidade da surdez”, explica. 

Acompanhe o bate-papo que fizemos com ele sobre os desafios que encontra, o impacto da acessibilidade digital na sua rotina, o seu engajamento nas redes sociais e sua experiência como colaborador da Hand Talk. 

Qual é o impacto que a acessibilidade digital tem na sua vida?
Alexandre Ohkawa – Apesar do termo ser mais divulgado recentemente, a acessibilidade digital foi intensificada nos últimos cinco anos. O impacto foi positivo, mas tem muito o que melhorar e evoluir. Quando acesso plataformas digitais e sites, a primeira coisa que noto é se estão acessíveis para todos, seja por celulares ou por computadores/laptops. Tudo tem que estar funcional. Aqui darei alguns exemplos simples de como eu, usuário surdo, posso ser impactado por tudo isso. 

Existem muitos conteúdos complexos que poderiam ser mais simples, com textos mais claros, objetivos e seguindo a ordem direta das frases, com fontes e cores que não cansam a vista durante a leitura. Assim, a informação será muito mais fácil de ser compreendida por qualquer pessoa com ou sem deficiência. Especificamente para pessoas surdas sinalizadas [que se comunicam por meio da língua de sinais], há ainda um benefício a mais em seguir essas regras. Textos escritos dessa forma facilitam a tradução automática de ferramentas como a Hand Talk.

Há também a questão da estrutura linguística do português, que é diferente da estrutura da Libras. Existem vídeos com legendas pequenas para leitura e tradutores/intérpretes de Libras com janelas minúsculas, com falta de valorização de suas linguagens contextuais, pois as normas de legenda e janelas de Libras não estão sendo respeitadas. 

Estou trabalhando em casa nesta quarentena. Inicialmente foi bem difícil me acostumar com o “home office”, mas como sou surdo e tenho experiências sobre a arte corporal e suas percepções, esse repertório me ajudou a manter a calma para preparar e readaptar o meu corpo com esse novo espaço físico e mental. 

Também me exercito por meio do coletivo laboral da empresa que é feito online, o que tem proporcionado boas energias para suportar a quarentena e o isolamento social. Meus contatos online aumentaram gradativamente e, ao mesmo tempo, controlo o meu tempo de uso de internet para manter a saúde visual, mental e física.

Quais barreiras de acessibilidade digital você encontra com mais frequência?
Alexandre – Precisamos entender que, para os surdos, a acessibilidade compreende informações em Libras e também o texto em português. Uma opção não exclui a outra. Na prática, isso não está ocorrendo de forma efetiva. Faltam intérpretes de Libras, legendas e audiodescrição nos atendimentos médicos, portais de notícias, sistema bancário, redes sociais, programas de TV, nos chats dos planos de saúde e nos hospitais. As janelas de Libras são minúsculas. Você mal as enxerga! Há muito desencontro de informações, além da falta de planejamento e de conscientização.

É difícil para uma pessoa surda acompanhar os colegas nas reuniões online. Eu sou oralizado [alfabetizado na língua oral portuguesa], sinalizado e usuário de implante coclear. Mesmo assim, faço uso da leitura labial que é bastante complicada de se fazer nas reuniões virtuais. Estamos tentando o uso do Skype, pois é a única plataforma desse tipo que permite legendas em tempo real em língua portuguesa.  

O app Google Live Transcribe funciona só no sistema Android e não no iOS. O iOS tem um tradutor de áudios para português durante o uso do WhatsApp ou Telegram. No meu caso, felizmente são disponibilizados intérpretes de Libras nessas situações e, muitas vezes, uso chat online ou comunicação por Libras com alguns colegas. Ajudaria muito mais se oferecessem legendas. 

As lives do Instagram poderiam ter três janelinhas para incluir um intérprete de Libras e/ou legendas também para facilitar o entendimento. O Facebook agora está disponibilizando a configuração de legendas para as lives, mas a maioria das redes sociais não está acessível ainda.

Você é uma pessoa bastante engajada na luta por uma web acessível. Quando isso tudo começou?
Alexandre – Há seis anos que sou super engajado nas causas sociais e na luta pela web acessível. Foi o período em que fiquei sem trabalho fixo e tive que me reinventar dando consultoria de Libras para instituições culturais e intérpretes nos contextos culturais. Com tempo livre, tive a oportunidade de participar e de frequentar várias palestras e congressos sobre acessibilidade. 

Comecei a ser empático com todos e compreender as dificuldades das pessoas com deficiência, pois empresas e instituições não têm vivenciado ou convidado pessoas diferentes para trabalhar nas equipes com o objetivo de criar produtos funcionais e acessíveis. 

Tenho três projetos importantes que criei durante a minha trajetória de militância surda: o workshop Empatia do Silêncio, a Semana da Acessibilidade Surda (SAS) e o canal Coneckta. No workshop, sou um dos idealizadores com a jornalista Milena Machado, o engenheiro Thierry Marcondes e o arquiteto Andrey Marcondes.  

A SAS foi criada para incentivar empresas de comércio e serviços a investirem em acessibilidade para receberem os clientes surdos. Já o canal Coneckta, que faço em parceria com Allan Victor, tem o objetivo de conectar todas as realidades, acabar com as dúvidas e preconceitos por meio da informação e muita diversão. 

Como tem sido trabalhar em uma startup tão alinhada com sua causa? Alexandre – Como arquiteto, gosto sempre de reinventar e criar olhares diferentes, com oportunidades de trabalhos que possam ajudar a tornar a sociedade mais justa. Está sendo maravilhoso trabalhar em uma startup como a Hand Talk, com um ambiente acolhedor e empático, que transpira amor às causas sociais. 

Trabalho como community manager [gerente de comunidade], analista de marketing e cuido da causa das pessoas surdas no Brasil e no exterior. A Hand Talk é uma empresa preocupada com a comunidade surda, com o objetivo de trazer independência e qualidade de vida, rompendo barreiras de comunicação. 

Faço pesquisas e levantamentos para entender a real necessidade da comunidade surda. Desenvolvo pontes de relacionamentos e comunicação entre ouvintes e surdos. Criamos uma rede de embaixadores surdos e montamos uma equipe de linguistas que trabalham na qualidade dos sinais e de seus respectivos parâmetros da Libras. 

Busco sensibilizar instituições, empresas e outras comunidades para melhorar a qualidade da comunicação. Também sou apresentador do novo programa Hand Talk Show. 

Qual é a importância que a acessibilidade digital tem na sua vida? Como ela seria melhor se as empresas tivessem sites acessíveis? 
Alexandre – Acessibilidade para mim, por exemplo, é poder me comunicar normalmente com o gerente do banco por vídeo em Libras ou chat com mais agilidade. É poder ligar para supermercados e farmácias. Hoje em dia é preciso ligar para a central de intermediação de intérpretes, o que leva muito tempo! Eu quero que seja direto por videochamada, da mesma forma simples que fazemos por WhatsApp e Telegram. 

Muitas conferências, palestras e reuniões online ainda são inacessíveis. Sou usuário da língua portuguesa e, caso não haja legendas, coloquem pelo menos intérpretes. É importante que as empresas coloquem tradutores qualificados e especializados em cada tipo de contexto ou assunto. 

Em vários momentos da minha vida, quis fazer cursos online e posteriormente descobri  que eram inacessíveis! É preciso ter surdos na estratégia de divulgação para gerar interesse da pessoa com deficiência. 

Ainda há carência de informações claras e simples de entender. Muitos surdos têm  dificuldades para entender português e, por esse motivo, valorizamos a Libras.  

Por isso, é importante ter pessoas com deficiência trabalhando nas empresas. Elas são as melhores conselheiras e consultoras nessa área.

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