Comprar online: tarefa sofrida pra quem tem deficiência


Ilustração de uma pessoa sentada na frente de um computador com diversos ícones ao redor.
Ilustração com foco em serviços na web.

No mês em que se comemora o Dia do Consumidor, trazemos uma reflexão: por que o varejo online ainda ignora essa parcela gigantesca da sociedade?

Não há crise no varejo online brasileiro. Apesar da instabilidade econômica registrada nos últimos tempos, os resultados de 2019 impressionam. As vendas online no País cresceram 22,7%, segundo estudo da Compre&Confie, atingindo um faturamento anual de R$ 75 bilhões. 

Se você, de alguma forma, contribuiu para o aumento dessas cifras, sabe bem como é prático recorrer a uma compra online nos dias de hoje. Fugir do trânsito, evitar shoppings cheios, longas filas, falta de mercadorias nas lojas físicas e, ainda, conseguir um desconto maior online são algumas das vantagens de aderir ao comércio eletrônico. É rápido, fácil e, em sites confiáveis, seguro. 

Infelizmente, essa praticidade não se estende para quem mais precisa: o consumidor com deficiência. Comprar online sendo cego ou surdo, por exemplo, é uma tarefa praticamente impossível de ser realizada na maioria dos sites de e-commerce brasileiros. Isso porque as páginas não estão adequadas para receber a visita desse público. 

Leonardo sorri. Ele tem olhos esbranquiçados, cabelos curtos e negros e usa casaco cinza e blusa azul.
Leonardo Gleison Ferreira durante a sua fala no evento de lançamento do Movimento Web para Todos. Foto: Victor López / Movimento Web para Todos.

“Quando uma pessoa com deficiência não consegue comprar online, principalmente aquelas que não têm alguém junto, elas precisam ir à loja física. Você precisa sair da sua casa, enfrentar os obstáculos arquitetônicos e comprar, por exemplo, uma passagem aérea mais cara – porque os melhores preços estão nos sites. Somos discriminados também na questão dos preços”, desabafa Leonardo Gleison Ferreira, técnico em Tecnologia Assistiva da Laramara, que é cego. 

Beto Pereira é moreno, calvo, usa óculos escuros e camisa azul.
Beto Pereira, vice-presidente da ONCB. Foto: Reprodução / Vídeo.

Beto Pereira, presidente da Organização Nacional dos Cegos do Brasil (ONCB), complementa que é inaceitável pensar que, atualmente, as empresas não enxerguem as pessoas com deficiência como consumidores. “Nós consumimos e estamos conectados”, diz. Beto é cego e sabe dizer com propriedade – tanto pela experiência pessoal quanto profissional – que isso é uma realidade que todos precisam saber.

Ele afirma que faz compras online, mas as barreiras de acessibilidade nos sites dificultam as compras. “Isso acontece com frequência. O que era para ser um ganho de compra imediata com a facilidade de uma compra online, vira uma barreira tal qual o que acontece em lojas físicas. Muitas vezes sou obrigado a contar com o auxílio de alguém ou desisto de comprar”, explica.

As principais barreiras encontradas

Falta de descrição de imagem, inexistência de avatar de Libras e péssima navegação pelo teclado são algumas das barreiras encontradas pelo consumidor com deficiência ao navegar nos sites de e-commerce brasileiros.

“Em marketplaces e lojas menores, é uma questão de desinformação mesmo – eles realmente desconhecem a experiência de navegação deste público. Os grandes varejistas, no entanto, já estão cientes dessa realidade, mas ainda optam por não priorizar a acessibilidade como ação estratégica de negócio e branding”, comenta Simone Freire, idealizadora do Web para Todos.

Argumentos não faltam para que esse cenário de exclusão digital seja revertido. “Aumento na taxa de conversão é um ganho direto que a loja virtual terá. Isso porque as melhorias implementadas para torná-la acessível afetam diretamente a performance geral do site. Vai melhorar invariavelmente para todo mundo e ele ganhará novos clientes, aqueles que até então não conseguiam navegar em sua loja”, explica Thiago Sarraf, especialista em e-commerce e embaixador do Movimento Web para Todos.

Por falta de informação, muitos lojistas acreditam que adaptar seus sites é um “bicho-de-sete-cabeças”, ou seja, algo muito complexo de se fazer. “O melhor é ir adaptando aos poucos, conforme o aprimoramento da performance da loja. A cada novo processo implementado, é importante contemplar a acessibilidade”, sugere Thiago. 

Outra dica importante é procurar envolver sempre consumidores com deficiência na jornada de adaptação. Isso vale também para pessoas com deficiência auditiva, e não só cegos. A maioria das pessoas surdas no Brasil (um público estimado em 10 milhões de brasileiros) adota Libras como seu primeiro idioma, e apresenta grandes dificuldades de interpretar o português.

Foto da Nayara sorrindo. Ela tem cabelos encaracolados castanhos e curtos. Usa um brinco pequeno, um piercing no nariz e batom vermelho.
Nayara Rodrigues da Silva, artista e intérprete de Libras, surda profunda desde que nasceu.

“Tentei comprar muitas coisas online, mas não finalizei devido ao meu nível de português não ser avançado. Penso que esse fator da língua portuguesa escrita deixa muitos surdos inseguros para realizar compras pela internet”, explica Nayara Rodrigues da Silva, artista e intérprete de Libras, surda profunda desde que nasceu.

Acessibilidade no e-commerce é lei

Além de incrementar as vendas, ao deixar seus sites acessíveis, as lojas virtuais estão cumprindo exigências legais, entre elas a Lei Brasileira de Inclusão. O documento conta com um capítulo dedicado exclusivamente ao acesso à informação e à comunicação, e um artigo que aborda a acessibilidade pelos sites da Internet no Brasil. 

“É obrigatória a acessibilidade nos sítios da internet mantidos por empresas com sede ou representação comercial no País ou por órgãos de governo, para uso da pessoa com deficiência, garantindo-lhe acesso às informações disponíveis, conforme as melhores práticas e diretrizes de acessibilidade adotadas internacionalmente”, estabelece o artigo 63 da LBI. 

Cenário lastimável no Brasil

Apesar da obrigatoriedade jurídica, é lastimável o atual cenário da acessibilidade digital no Brasil. Dois estudos realizados pelo Movimento revelam dados estarrecedores: menos de 1% dos sites brasileiros estão acessíveis, e 100% dos sites mais acessados do e-commerce brasileiros apresentam barreiras para a navegação deste público.

“Comprar online acaba sempre sendo traumático porque a web ainda não é convidativa para nós. Não nos sentimos confortáveis em comprar e contratar serviços online”, desabafa Leonardo.

Denúncia pode ser um caminho

O que um consumidor com deficiência pode fazer caso tenha um problema com um site de comércio eletrônico que torne sua experiência de consumo dificultada ou impossível? Como denunciar essa violação de direitos básicos? A seguir, algumas sugestões:

● Entre em contato com a empresa, por meio dos canais SAC e do atendimento ao consumidor, e denuncie a violação de direitos ocorrida;

● Entre em contato com o Procon mais próximo do consumidor para registrar o problema de acessibilidade ou de violação de direitos;

● Ou, outra opção é registrar uma reclamação na plataforma Consumidor.gov.br, que segue as diretrizes do e-MAG (Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico).

Recomendamos ainda a leitura do artigo “Comércio eletrônico e acessibilidade: em defesa dos direitos de todos os consumidores”, assinado pelo Instituto de Defesa do Consumidor, parceiro do Movimento, que aborda os desafios para a acessibilidade no comércio eletrônico brasileiros e caminhos para que as pessoas com deficiência possam fazer valer seus direitos.

“Dar autonomia na hora de fazer compras na internet é garantir o ir e vir virtual da pessoa com deficiência, é garantir seu livre acesso, sua liberdade, inclusive a privacidade na escolha do seu produto”, reforça Beto Pereira, acrescentando que “descartar o público com deficiência é uma falta de visão comercial, além de uma falta de visão social.” 

Papel mobilizador do Web para Todos

Conscientizar a sociedade para a temática da acessibilidade digital é um dos propósitos do Movimento Web para Todos. “Para cumprirmos a nossa missão, é essencial mostrar na prática as dificuldades enfrentadas por este público. Quando a gente se coloca no lugar do outro, a empatia é muito maior e a vontade de transformar positivamente uma realidade aumenta consideravelmente”, comenta Simone.

Nesse sentido, além de promover palestras e oficinas de capacitação, o Movimento tem criado campanhas para mobilizar a sociedade para a causa. A mais recente delas aborda justamente a dificuldade que é, para um cego, fazer uma compra online utilizando o leitor de tela. Assinada pela agência parceira voluntária, a Publicis Brasil, a peça vai ao ar no mês em que é comemorado o Dia do Consumidor (15 de março).

“Nos últimos anos, se não fosse o Movimento, teríamos problemas de comunicação, de levar essa mensagem correta para a sociedade. Pior do que isso: estaríamos com opiniões erradas que não são necessariamente refletem o que a gente acredita”, finaliza Leonardo.

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