Compra online: consumidores com deficiência tiram suas dúvidas




Ilustração com fundo azul com pessoas e ícones diversos. Há dois homens e uma mulher mexendo no celular. Ao centro da imagem, há um celular gigante com um carrinho de compras em cima. Ao lado, há um cartão de banco.

 

O Brasil corresponde a 53% do comércio eletrônico na América Latina e as dez maiores empresas nacionais de comércio eletrônico somaram R$ 25,4 bilhões em vendas em 2016. Os dados são de uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) em 2017.

Apesar da plena expansão desse mercado, é comum recebermos muitas perguntas relacionadas aos direitos do consumidor com deficiência na web. Isso porque eles relatam encontrar barreiras de acessibilidade nos sites que, muitas vezes, inviabilizam a própria compra ou acarretam vários problemas ao longo da jornada.

Segundo artigo assinado pelo IDEC, “há problemas graves de informações insuficientes sobre restrições de ofertas, cláusulas abusivas para direito de arrependimento e descumprimento de normas do Decreto 7.962/2013. É fato que temos um cenário de expansão do comércio eletrônico e de constante descumprimento de direitos básicos dos consumidores assegurados no Código de Defesa do Consumidor e no Decreto de Comércio Eletrônico de 2013”.

Os problemas são ainda mais graves quando consideramos os direitos das pessoas com algum tipo de deficiência, tal como revelamos no estudo “As principais barreiras de acesso em sites do e-commerce brasileiro –  2º Estudo de Acessibilidade em sites”. Ele foi conduzido pelo Movimento Web Para Todos, Ceweb.br com o apoio do W3C Brasil. A iniciativa também contou com a colaboração do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Consumidores querem saber seus direitos

Apuramos cinco dúvidas de pessoas com deficiência em relação aos seus direitos como consumidores online. Quem respondeu todas elas foi Bárbara Simão, pesquisadora em telecomunicações e direitos digitais no Idec. Confira!

Sony Polito, baixa visão, líder do bengala verde

Pergunta – O que precisa ser feito para que o comércio possa reconhecer as pessoas com deficiência como grandes potenciais consumidores?

Bárbara – É difícil responder essa pergunta enquanto integrante de uma organização da sociedade civil. Do ponto de vista jurídico, leis e regulamentos já existem sobre esse tema, incentivando a adoção de medidas que tornem os ambientes de compra e atendimento completamente acessíveis. Mas é claro que a real execução dessas regras deixa muito a desejar. Acredito que campanhas de informação e uma fiscalização forte de agentes do Poder Público podem ajudar a mitigar. Também é importante que a preocupação com acessibilidade na web exista desde a origem nos cursos de programação, por exemplo, para que qualquer profissional esteja qualificado a perceber os requisitos necessários para um site acessível – assim como engenheiros devem ser qualificados para implementarem soluções acessíveis de mobilidade urbana, por exemplo.

Sarah Marques, cega, analista de Tecnologia da Informação

Pergunta – O que fazer quando a empresa disponibiliza um produto somente online – tendo em vista que ela oferece um preço mais alto por telefone ou loja física e o site é inacessível? Como realizar a compra em tempo hábil?

Bárbara – É bastante comum que empresas tenham preços diferentes entre sites e lojas físicas, não sendo essa uma prática ilegal por si só. O problema é que, no caso de uma pessoa com deficiência que não consiga usar o site da marca por falta de acessibilidade, ela é impedida de usufruir de um preço melhor. Isso afeta a sua liberdade de escolha enquanto consumidora. De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão, é obrigatória a acessibilidade nos sítios da internet mantidos por empresas com sede ou representação comercial no País. O Decreto sobre Comércio Eletrônico também traz regras específicas em relação à necessidade de atendimento facilitado ao consumidor, o que abrange também a pessoa com deficiência.

Quando isso ocorrer, o primeiro passo necessário é entrar em contato com a empresa e descrever a situação. Uma alternativa para realizar uma compra em tempo hábil, mesmo quando o site seja inacessível e possa demorar para que ocorram ajustes, pode ser um compromisso do fornecedor em oferecer o produto na loja física com o mesmo preço do site para aquele determinado consumidor que tenha problemas.

Porém, caso a empresa não demonstre interesse em agir pró-ativamente para solucionar a questão, é necessário procurar autoridades competentes. Nesses casos, pode ser feita uma denúncia no Ministério Público contra a empresa, que pode assinar um acordo com a empresa buscando ajustar sua conduta ou então entrar com uma ação. Outro caminho é o site consumidor.gov.br, canal do Ministério da Justiça que agrega reclamações de consumidores e adequado a normas de acessibilidade.  

Myrna Melo, tem deficiência física, Assessora Técnica em Acessibilidade da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência da cidade de São Paulo

Pergunta – Qual é a relutância dos sites de compra serem acessíveis a todos? O que qualquer pessoa pode fazer para melhorar a situação atual?

Bárbara – A relutância pode estar relacionada à falta de informação, à formação de profissionais e à fiscalização de agentes públicos. Informação no caso de empresas que ainda acreditam dar muito trabalho para criar ou tornar um site acessível ou que pensem que isso é um passo secundário no desenvolvimento de seus canais de comunicação. Passando para a etapa de formação, é preciso que a preocupação com o tema não seja vista como acessória, mas central a qualquer projeto, ao desenvolvimento de qualquer ferramenta na web.

Para isso, profissionais devem ser formados para que insiram ferramentas de acessibilidade na concepção de qualquer ideia nova. Isso passa por um trabalho de ensino que passa tanto por cursos de capacitação quanto pelo currículo das próprias universidades. Movimento esse em busca de fazer com que novos profissionais de tecnologia da informação, desenvolvimento gráfico e programadores já possuam expertise no tema desde seus primeiros anos de formação. O trabalho da fiscalização é necessário para criar engajamento e conscientização. Infelizmente, muitas empresas e profissionais apenas irão se preocupar quando sofrerem consequências financeiras – como multas.

Gabriel Facchini, Síndrome de Down, fotógrafo da prefeitura de são paulo 

Pergunta – Como posso me defender com os dados que deixei na hora de fazer a compra? Será que eles vão estar em boas mãos? Como saber disso na prática?

Bárbara – As dificuldades de informação em relação ao tratamento de dados pessoais pelas empresas são gerais. Normalmente, os termos de uso e políticas de privacidade elaborados são extensos e pouco claros a respeito do que é, de fato, feito por uma empresa. No Brasil, foi aprovada a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais em agosto de 2018. Ela finalmente trouxe direitos e princípios importantes para todos os usuários – como a necessidade de empresas serem transparentes, respeitarem finalidades de coleta dos dados e o consentimento dos consumidores.

Até a Lei entrar em vigor – em agosto de 2020 –  empresas vão ter que passar a se adaptar e buscar meios de adequação com suas regras. Algo incentivado, por exemplo, é que os termos de privacidade sejam apresentados de maneira interativa, em vídeos ao invés de texto corrido, e sempre de maneira mais clara e didática. Quanto a saber se os dados estarão em boas mãos, a empresa possui sempre o dever de informar a respeito de suas práticas.

Assim, qualquer compartilhamento de seu banco de dados com terceiros deve ser informado ao consumidor quando ele solicitar saber. Qualquer vazamento de dados ou incidente de segurança também deve ser notificado às autoridades e possíveis vítimas. O dever de informação é sempre central nas relações de consumo, constituindo um de seus pilares essenciais.

Valter Lenine Fernandes, surdo oralizado e sinalizado, professor do Instituto Federal Sul-Rio-Grandense

Pergunta – Quando encontro um problema de cancelamento pelo site e não recebo resposta, a empresa deve ser responsabilizada pelos possíveis danos e/ou encargos que possivelmente são gerados? Além disso, a empresa é obrigada a criar um serviço de atendimento online?

Bárbara – Sim, a empresa deve ser responsabilizada em casos de danos ao consumidor caso ele não tenha sido capaz de obter respostas adequadas. De acordo com o Decreto sobre Comércio Eletrônico, o fornecedor deve sempre manter serviço de atendimento em meio eletrônico, que possibilite ao consumidor a resolução de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato. Então, é realmente necessário e obrigatório que ela possua um serviço de atendimento online.

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