
Por Muriel Xavier*
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) completou em julho deste ano 10 anos. O que será que realmente mudou e quais benefícios foram de fato implementados no cotidiano das pessoas com deficiência no âmbito da acessibilidade digital?
Primeiro, vamos relembrar o que diz essa lei, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. A LBI tem como objetivo garantir os direitos e a inclusão de quem tem deficiência de forma plena e igualitária. Ela assegura direitos fundamentais como saúde, educação, trabalho, moradia e lazer, e também prevê acessibilidade, tanto física quanto digital.
As tecnologias assistivas e o design universal são citados para assegurar que as pessoas com deficiência possam ter acesso à informação, aos serviços públicos e às oportunidades de forma igualitária.
Além disso, o artigo 63 da LBI determina que os sites do poder público e das empresas privadas com sede ou representação comercial no país garantam o acesso à informação seguindo padrões internacionais de acessibilidade.
Expectativa versus realidade
Vamos relembrar alguns estudos publicados aqui no blog do WPT para entendermos a atual situação da acessibilidade digital no Brasil e refletirmos sobre isso.
Publicado em 2017, o primeiro levantamento sobre a acessibilidade digital em sites brasileiros avaliados pelo WPT teve foco na educação. Foram avaliados os sites das 10 melhores universidades e escolas do ensino médio do país, de acordo com o ranking do MEC divulgado naquela época.
Apesar de iniciativas na tentativa de melhorias na acessibilidade, ainda foram encontradas inúmeras barreiras que dificultavam a navegação e a compreensão dos conteúdos divulgados nesses sites.
Resultados semelhantes foram observados em outra pesquisa realizada em 2018, agora com foco nos e-commerces. Dentre diversas etapas no processo de compras, mais da metade das pessoas que executaram os testes não foram capazes de concluir uma compra devido à falta de acessibilidade nas plataformas.
Desde 2019, o WPT tem publicado estudos avaliando o nível de acessibilidade digital em milhões de sites brasileiros, em parceria com a BigDataCorp. Esses estudos avaliaram diversos tipos de sites com foco na experiência de quem tem algum tipo de deficiência.
O número de sites totalmente acessíveis vinha crescendo discretamente. Porém, houve uma queda nesse percentual entre os anos de 2023 e 2024: entre 2019 e 2022 esses sites representavam menos de 1% do total de sites avaliados; em 2023 eram 3,3%, caindo para 2,9% em 2024. Na prática, isso significa que milhões de brasileiros e brasileiras com deficiência ainda enfrentam barreiras para estudar, trabalhar, consumir e acessar serviços básicos online.
Esses números dão uma ideia do quanto ainda estamos longe de alcançar um ambiente digital dentro dos padrões mínimos de acessibilidade. Apesar de avanços em sites de determinados setores, como da educação e de grandes empresas, o caminho a percorrer ainda é longo.
Possíveis problemas
De acordo com a segunda parte do estudo “Panorama da Acessibilidade Digital no Brasil”, realizado pela Hand Talk, a falta de fiscalização e de incentivos fiscais para ações que promovem a acessibilidade podem estar colaborando de forma negativa para o avanço das melhorias no ambiente digital.
Outro ponto importante para salientar, é que o artigo 63 da LBI, que trata especificamente da acessibilidade digital, ainda não traz uma diretriz específica para ser seguida. Isso dificulta muito as ações de quem gostaria de melhorar a acessibilidade em seus sites e serviços.
Recentemente, o Governo Federal apresentou um balanço no avanço das políticas para as pessoas com deficiência em celebração aos 10 anos da LBI. Apesar de conquistas importantes na busca de autonomia, participação social e adoção de medidas de reparação histórica, pouca coisa mudou no âmbito digital.
É importante ressaltar aqui que, atualmente, cerca de 90% dos serviços do próprio Governo Federal já são oferecidos pela plataforma Gov.br. Serviços básicos, como o acesso ao Portal Meu INSS e a Declaração do Imposto de Renda, por exemplo, já são praticamente digitais em sua totalidade.
Diante de tudo isso, fica evidente a urgência em tratar a acessibilidade digital de forma mais específica na LBI, orientando e possibilitando melhorias reais no ambiente web, além de haver fiscalizações e punições adequadas nos casos onde a lei não está sendo devidamente cumprida.
Expectativas para os próximos anos
O lançamento dos normativos ABNT NBR 17060:2022 (Acessibilidade em Aplicativos de Dispositivos Móveis) e ABNT 17225:2025 (Acessibilidade em Conteúdo e Aplicações Web) trouxeram uma nova perspectiva para a acessibilidade digital no Brasil.
Formuladas com base no WCAG, que são o conjunto das principais diretrizes de acessibilidade digital do W3C e adotadas internacionalmente, esses normativos simplificaram o entendimento de como adaptar os sites e aplicativos, trazendo a acessibilidade de forma prática nos produtos e serviços digitais.
Há uma movimentação forte na sociedade, no Congresso e entre as pessoas que defendem uma web acessível para todo mundo para que esses normativos se tornem padrão nacional de acessibilidade digital. O movimento pelo Dia da Acessibilidade Digital, proposto no dia do lançamento da NBR 17225, também já está engajando parlamentares e casas legislativas do país.
Apesar dos desafios, há sinais concretos de mudança. Isso me leva a acreditar que, num futuro não muito distante, a acessibilidade digital no Brasil seja realmente praticada e usufruída por todas as pessoas.
*Muriel Xavier é biomédica e mestre em genética e biologia molecular. Perdeu a visão há três anos e, com isso, direcionou sua carreira à tecnologia com foco em acessibilidade digital e UX. Muriel integra a Liga Voluntária do Movimento Web para Todos.