Ausência de fiscalização contribui para a falta de acessibilidade em sites do Brasil, aponta estudo

Segunda parte do estudo “Panorama da Acessibilidade Digital no Brasil” traz percepções de especialistas no tema


Arte com o texto em destaque: Panorama de Acessibilidade Digital no Brasil, edição 2023, segunda parte sobre percepções de especialistas no tema. Logos da Hand Talk e WPT.

Na segunda parte do 1º estudo sobre o Panorama da Acessibilidade Digital no Brasil, especialistas compartilharam suas percepções sobre o cenário crítico em que o nosso país se encontra com menos de 1% dos sites acessíveis. Estas pessoas também comentaram sobre diversos tipos de ferramentas assistivas e trouxeram suas perspectivas sobre o futuro da acessibilidade digital em nossa sociedade.

O estudo foi realizado entre junho e julho deste ano pela Hand Talk, startup alagoana focada na tradução automática de Línguas de Sinais, em parceria com o Movimento Web para Todos. A pesquisa contou com a participação de pessoas com deficiência, profissionais da acessibilidade e especialistas em acessibilidade digital, somando 647 respondentes. 

Os resultados do estudo foram divulgados em três partes, sendo a primeira delas com foco nas percepções de pessoas com deficiência em relação ao atual cenário da acessibilidade digital no país e a segunda na opinião de especialistas nesta área. O conteúdo desta reportagem conta apenas com dados deste segundo recorte do estudo.

A perspectiva de profissionais especialistas em acessibilidade digital é muito importante para compreendermos quais são os gargalos que ainda existem no mercado e quais caminhos são recomendados para o desenvolvimento de produtos e serviços digitais acessíveis.

Para as respondentes, a falta de fiscalização rigorosa e de incentivos fiscais que promovam uma participação ativa das organizações em relação à inclusão digital são fatores que contribuíram para o atual cenário crítico em que se encontra a web brasileira no quesito acessibilidade.

Este assunto vem ganhando cada vez mais popularidade no Brasil, chamando a atenção de organizações que querem ser mais inclusivas e cumprirem de fato as práticas ESG (sigla em inglês para “Environmental, Social and Governance”; em português significa Ambiental, Social e Governança).

Mesmo assim, especialistas em acessibilidade digital neste país não trabalham com foco somente na área, pois ainda não estão tendo demanda suficiente das empresas para isso. Hoje em dia, apesar de serem as responsáveis finais por iniciativas de acessibilidade em suas organizações, essas pessoas acabam realizando projetos e atividades mais pontuais, a partir de áreas como TI, design, RH e diversidade e inclusão.

“Esse estudo é fundamental para termos informações mais precisas sobre o que impede ou dificulta o avanço da cultura de acessibilidade digital dentro das organizações para combatermos o problema de forma colaborativa”, explica Simone Freire, idealizadora do Movimento.

QUALIDADE DAS FERRAMENTAS ASSISTIVAS

Perguntamos a especialistas em acessibilidade digital sobre a qualidade das ferramentas assistivas disponíveis para a população e para as organizações. Conheça a seguir os principais pontos revelados no estudo.

Recursos automáticos que prometem corrigir acessibilidade de um site

Várias pessoas especialistas desaprovam as chamadas “ferramentas milagrosas” (ou toolkits), que prometem em seus argumentos de venda tornar sites acessíveis com a simples instalação de um pacote de plugins. 

Esse tipo de posicionamento e promessa não são corretos, pois até hoje não existe a possibilidade de deixar um site acessível apenas com esse tipo de recurso automático. Ao contrário, muitas vezes ele até piora a acessibilidade, pois “quebra” a estrutura do site, o que impede especialmente pessoas cegas de navegar por meio de seu leitor de telas, por exemplo.

Os toolkits são percebidos de forma mais negativa pelas respondentes dessa segunda parte do estudo, com 47% delas classificando-os como “ruim” ou “péssimo”. Já as extensões gratuitas dos navegadores têm uma avaliação oposta, com 45% das pessoas respondentes classificando-as como “boa” ou “ótima”.

Leitores de tela

A maioria das pessoas especialistas que responderam o questionário afirmou que os leitores de tela disponíveis nos sistemas operacionais dos dispositivos são bons ou ótimos (74%) e que os leitores de websites instalados por meio de plugins são ruins ou péssimos (42%).

Tradução para língua de sinais

Sobre a acessibilidade digital oferecida para pessoas que se comunicam principalmente em língua de sinais, o estudo comparou a percepção de qualidade de dois recursos assistivos: ferramentas automáticas de tradução do português escrito para Libras via inteligência artificial (IA) e atendimentos online com intérpretes. 

Especialistas que conhecem esse recurso o classificaram de forma mais positiva do que negativa. Os tradutores automáticos via IA, como o Hand Talk Plugin, tiveram uma avaliação bem equilibrada entre positiva e negativa: 36% os classificaram como “ruim” ou “péssimo”, 37% os consideraram “bom” ou “ótimo”.

Avaliação automática de acessibilidade em sites

Em relação às ferramentas de avaliação automática de acessibilidade em sites, para mais de 50% do público de especialistas essas ferramentas são positivas. Essas pessoas avaliaram que esse tipo de recurso ajuda os times técnicos a encontrar com mais facilidade os locais que precisam de correções relacionadas à acessibilidade digital, agilizando o processo.

Geração automática de legendas para vídeos

Para 57% das pessoas respondentes, as ferramentas que geram legendas automáticas em vídeos são “boas” ou “ótimas”. Esse tipo de recurso possibilita que vídeos se tornem mais acessíveis para pessoas surdas, com deficiência auditiva ou ainda por quem preferir ler ao invés de ouvir o conteúdo.

SOCIEDADE, CULTURA E INCLUSÃO SOCIAL

O questionário também incluiu perguntas a respeito do comportamento do governo e da sociedade como um todo em relação à inclusão digital. A maioria concorda parcial ou totalmente com a afirmação de que há um aumento na contratação de serviços de acessibilidade digital (57%). 

Elas também foram questionadas sobre sua percepção de mudança cultural nas empresas em relação ao tema. Para 60% das pessoas respondentes esse avanço é notável, dizendo que concordam parcialmente ou totalmente com a afirmativa. 

Esses dois dados mostram que o cenário corporativo tem se preocupado mais em relação à causa da inclusão social, seja no ambiente digital ou físico. Porém, é importante lembrar que concordar parcialmente, como foi respondido pela maioria, significa que ainda existem avanços importantes a serem feitos.

Outra análise que o estudo buscou foi em relação à percepção das pessoas especialistas sobre o envolvimento do governo e da sociedade na causa da inclusão de pessoas com deficiência. Aqui, podemos notar que mesmo que a luta social esteja maior, com 64% das pessoas respondentes afirmando isso, o governo ainda está estagnado, segundo 47% delas.

Para 85% das pessoas especialistas, as pautas em relação à diversidade e inclusão nos ciclos sociais estão mais frequentes. 

Por fim, para 59% das pessoas especialistas, a acessibilidade digital nas redes sociais, aplicativos, sites, jogos e streamings de fato estão maiores, demonstrando que essa pauta está evoluindo também em outros espaços, que são tão necessários quanto o meio corporativo.

O FUTURO DA ACESSIBILIDADE DIGITAL

Mesmo que o cenário geral da acessibilidade digital esteja avançando e ganhando espaço, ainda temos menos de 1% dos sites do Brasil acessíveis para as pessoas com deficiência. Isso nos mostra que existe um abismo entre o conhecimento técnico, de conscientização e a parte prática. Ou seja, por mais que muitas pessoas estejam aprendendo sobre o assunto, pouco é implementado e de fato modificado na web.

Por isso, a última pergunta da pesquisa foi um campo aberto questionando quais os avanços necessários para aumentar o número de sites acessíveis e mudar a realidade digital que temos hoje, que ainda prejudica milhares de pessoas.

Para quase todas as pessoas especialistas, o maior gargalo é a falta de fiscalização e de punições sérias por parte do Ministério Público contra as empresas e instituições que mantém seus ambientes digitais inacessíveis. 

Mas existem outras ações que o governo pode adotar para melhorar esse cenário, segundo as pessoas especialistas. Algo parecido já ocorre nos Estados Unidos com a implementação da ADA (Americans with Disabilities Act, lei norte-americana de direitos civis que proíbe a discriminação com base na deficiência), que estimula o ambiente corporativo a adotar práticas de acessibilidade digital através de incentivos fiscais.

Campanhas de conscientização que atinjam desde as grandes metrópoles até as cidades do interior também foram citadas como ações necessárias a serem adotadas pelo governo. Outra sugestão apontada no estudo é a regulamentação do artigo 63 da LBI (Lei Brasileira de Inclusão), que trata especificamente de acessibilidade em ambientes digitais. Foi sugerida a inclusão da WCAG, principais diretrizes de acessibilidade digital desenvolvida pelo W3C, como norteadora das instituições para o cumprimento da lei.

Incluir pessoas com deficiência na ideação e criação de projetos, produtos e conteúdos, validando a navegação e as necessidades assistivas existentes também foi um ponto citado. Parece óbvio que as pessoas que serão diretamente impactadas pela acessibilidade participem da criação desses espaços, mas infelizmente a atuação desse público nem sequer é cogitada na maioria das vezes, sendo colocada em segundo plano.

Várias pessoas que responderam essa parte do estudo relatam que a capacitação em acessibilidade digital deveria acontecer em toda “cadeia de produção digital”, ou seja desde lideranças de empresas, passando pelas suas equipes que desenvolvem e/ou utilizam canais digitais, por profissionais de desenvolvimento e de testes, até estudantes de universidades e de cursos técnicos. Assim, o ciclo não se quebra e abre espaço para a criação de cultura de acessibilidade digital

METODOLOGIA E PERFIL DE RESPONDENTES

Este estudo, realizado com mais de 600 respondentes, não se propõe a ser uma representação integral de todas as pessoas profissionais da área, nem retratar a realidade de todos os cenários deste setor no país. É um estudo exploratório que busca a elucidação inicial sobre como se encontra atualmente a pauta da acessibilidade digital nas mais variadas frentes.

Foi realizada uma pesquisa quantitativa, com perguntas abertas e fechadas, que foi divulgada na web. A pesquisa foi conduzida por meio de um questionário online de auto preenchimento voluntário, com 63 questões. Quem participou  poderia escolher entre um formulário acessível em Libras ou apenas em português escrito.

As respostas foram coletadas entre 26 de junho e 31 de julho de 2023. Neste período, foram recebidas 647 respostas no total, incluindo pessoas com deficiência, especialistas em acessibilidade digital e profissionais de áreas que se relacionam com esse tema. Em relação a especialistas em acessibilidade digital, que são o foco desse material, tivemos 59 respondentes.

A maioria (56%) afirmou não ter nenhum tipo de deficiência, 24% declararam possuir deficiência visual ou cegueira, 12% deficiência auditiva ou surdez, 3% deficiência mental ou intelectual, 2% deficiência física ou motora e 3% preferiu não informar.

A maior parte (71%) dessas pessoas exerce funções de TI (UX design, UI design, produto digital, desenvolvimento, etc) e 7% declararam atuar nas áreas de RH e Diversidade e Inclusão.

Acesse o e-book para ler o conteúdo completo da segunda parte do estudo sobre o Panorama da Acessibilidade Digital no Brasil.


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