Por Carmen Justo*
Há várias pessoas influentes que têm publicado nas mídias sociais conteúdos educativos que ajudam a eliminar mitos a respeito dos diferentes tipos de deficiência. Elas também comentam e dão exemplos práticos sobre o que é, de fato, acessibilidade para elas, seja no mundo físico ou no digital.
Nossa intenção é ajudar a dar visibilidade ao trabalho delas porque acreditamos que conhecer essas realidades ajuda muito no processo de conscientização a respeito da necessidade de se projetar tudo de forma acessível.
Convidamos a influenciadora digital Paula Pfeifer para inaugurar essa série. Ela é cientista social, escritora, empresária, palestrante e criadora do canal “Crônicas de Surdez”, presente nas principais plataformas e mídias sociais. De forma criativa, séria e comprometida, Paula combate o preconceito em relação à surdez e luta contra o capacitismo que envolve a imagem das pessoas com qualquer grau de surdez.
Ela lidera a maior comunidade online de pessoas usuárias de tecnologias assistivas auditivas da América Latina e também é criadora do movimento #SurdosQueOuvem, que tem como propósito apoiar pessoas surdas que usam ou pretendem usar próteses auditivas.
Paula Pfeifer recebeu o diagnóstico de deficiência auditiva bilateral neurossensorial e progressiva quanto tinha 16 anos. É usuária de implante coclear bilateral e está entre as 64,2% das pessoas no Brasil com algum grau de surdez que não usa Libras (Língua Brasileira de Sinais) para se comunicar. Esse é um dos motivos pelos quais faz Paula ser defensora ferrenha das legendas em vídeos e em eventos presenciais.
Acompanhe, a seguir, o bate-papo com a Paula e aprenda mais sobre o universo da surdez.
WPT: Qual é o seu principal propósito com o Crônicas da Surdez?
Paula: Descomplicar a surdez e, com isso, promover cada vez mais a reabilitação auditiva. Sou membro do Fórum Mundial da Audição da Organização Mundial de Saúde e promovo conscientização sobre saúde auditiva desde 2010.
WPT: Houve um momento em que você observou um maior interesse de pessoas com e sem surdez pelo conteúdo que você publica? Ou esse crescimento tem sido constante e equilibrado ao longo do tempo?
Paula: O Crônicas da Surdez nasceu em 2010 e, desde então, só cresce. O site recebe entre 55 e 70.000 novos usuários todo mês e temos a maior comunidade online da América Latina de pessoas com algum grau de surdez que são usuárias de próteses auditivas.
WPT: O que mais te alegra e o que mais te chateia quando o assunto é surdez? Por quê?
Paula: O que me alegra é ver cada vez mais #SurdosQueOuvem por aí, “saindo do armário da surdez”, lutando contra o capacitismo e exibindo suas próteses auditivas com orgulho para que o mundo todo veja e aprenda que surdez tem tratamento e que existem milhões de pessoas surdas que ouvem no mundo.
O que me chateia é ver tanta mentira e desinformação sobre o assunto surdez em pleno ano de 2022.Isso vai contra todo o “hype” (ou moda) de diversidade e inclusão que vemos hoje. É muito desagradável ler coisas como “todo surdo usa Libras”, “a maioria dos surdos é analfabeta” e afins. Acho que nada me chateia mais do que ler a palavra “surdos” sendo usada como se dissesse respeito apenas àquelas pessoas que usam língua de sinais, negando e invisibilizando a diversidade (e os números) da surdez.
WPT: Pessoas surdas que ouvem, como você, também enfrentam barreiras de acessibilidade nos canais digitais. Você pode citar quais lhe prejudicam mais e por quê?
Paula: Precisamos de legendas. Essa é a única acessibilidade que interessa a uma pessoa com algum grau de surdez que não usa língua de sinais. A maioria absoluta das pessoas com algum grau de surdez não usa língua de sinais no Brasil e no mundo, mas o senso comum acredita que seja o contrário por falta de informação. Precisamos de processos seletivos acessíveis a todas as pessoas surdas, com estenotipia feita por ser humano e com um intérprete de Libras de “carne e osso”. Acessibilidade tem que ser para todo mundo, mas ela tem um custo e nem todos criadores e criadoras e empresas podem ou têm disposição para arcar com ele. E acessibilidade para pessoas surdas significa legendas + Libras.
WPT: Qual seu maior desejo hoje em relação ao tema da acessibilidade?
Paula: Que as empresas e o governo conversem diretamente com as pessoas com deficiência para entender quais são as ferramentas de acessibilidade que realmente nos ajudam. Há muitas ”ferramentas milagrosas” que custam uma fortuna e não ajudam quase ninguém. Estive em Brasília e vi com meus próprios olhos muitas ferramentas inúteis, caríssimas e que não resolvem o problema de acessibilidade quem tem surdez sendo divulgadas e vendidas como a solução de todos os males. O dinheiro de contribuintes e das empresas “vai pelo ralo” e a acessibilidade não acontece. Isso precisa acabar.
Acompanhe a Paula Pfeifer em seu Instagram e aprenda com os conteúdos que ela publica.
*Carmen Justo é publicitária e professora do Centro Universitário Barão de Mauá, e uma das voluntárias do Movimento Web para Todos.
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