Por que e como adotar a janela de Libras no seu conteúdo digital?


Print de tela de um vídeo do site do Web para Todos. Nele, há um homem jovem em uma sala e atrás dele há muitos livros em prateleiras. Abaixo do rosto dele está projetada uma legenda com fundo preto e o texto em branco "Olá a todos! Eu sou o Alexandre, surdo, arquiteto e professor de Libras". No rodapé à esquerda, há o logo do Web para Todos e o texto "Alexandre Ohkawa, arquiteto". No canto inferior direito, há uma intérprete de Libras em janela com fundo branco.

Por Aretha Fernandes*

A pandemia da covid-19 revelou desigualdades ocultas para a maioria da sociedade. O direito à informação e ao entretenimento para as pessoas com deficiência foi uma delas. 

Muita gente fica à margem da informação enquanto os veículos de imprensa divulgam incessantemente as descobertas sobre o vírus e tentam orientar a população sobre as principais medidas de prevenção. 

A mesma situação é evidenciada quando as pessoas buscam outros meios de “fugir” das notícias sobre o novo coronavírus, como os serviços de streaming, que são os conteúdos audiovisuais transmitidos pela internet. 

O entretenimento e a notícia estão lá. Para alguns! A acessibilidade? Passa longe.

Os recursos para tornar os conteúdos audiovisuais acessíveis existem e até são orientados em leis como a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015). São a audiodescrição, a janela de Libras e a legenda oculta. Esses recursos são pouco utilizados pela maioria das organizações e por quem trabalha com produção audiovisual e publicidade. 

Afinal, o que é a janela de Libras?

A janela de Libras é o espaço destinado a intérpretes da Língua Brasileira de Sinais nos materiais audiovisuais , seja representado por uma pessoa  ou por um tradutor virtual. Ela possibilita às pessoas surdas alfabetizadas em Libras compreenderem o conteúdo divulgado. 

Dos três recursos de acessibilidade audiovisual mencionados, a janela de Libras é o menos adotado. Isso acontece porque a legenda oculta, ou Closed Caption, também pode beneficiar quem não consegue ouvir por algum motivo, mas apenas quem domina a língua portuguesa.  No entanto, a Federação Mundial dos Surdos estima que 80% das pessoas surdas de todo o mundo têm baixa escolaridade e problemas de alfabetização na língua oral de seu país. Ou seja, se adotarmos somente as legendas, a maior parte da comunidade surda poderá não compreender o conteúdo.

Critério de sucesso de alto nível

As WCAGs, ou Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web, principais norteadoras para criação de produtos e serviços digitais inclusivos, recomendam o uso da janela de língua de sinais em todo conteúdo pré-gravado que contenha áudio. 

O recurso é considerado um critério de sucesso AAA, o mais alto nível de conformidade do padrão WCAG, criado pelo W3C,  consórcio internacional que estabelece padrões para criação de conteúdos para a web globalmente. 

Embora as produções ao vivo não sejam citadas no guia, pelo menos até a sua última versão, outros documentos do W3C – World Wide Web Consortium orientam a utilização da janela de língua de sinais nesses casos.

E o que as leis brasileiras recomendam?

Em termos de legislação e recomendações oficiais, o Brasil tem avançado bastante, a exemplo da Lei Brasileira de Inclusão e da Instrução Normativa nº 116 da ANCINE – Agência Nacional do Cinema. 

Esta última obriga que todas as produções audiovisuais financiadas com recursos públicos federais geridos pela ANCINE devem conter audiodescrição, legenda, legenda descritiva (específica para pessoas surdas) e janela de Libras. 

A ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, responsável pela padronização das técnicas de produções feitas no Brasil, também aborda  a janela de Libras.

As recomendações são detalhadas na NBR 15.290, que orienta sobre posicionamento, tamanho, recorte e contraste da janela e até como intérpretes devem se vestir para garantirem acessibilidade nos programas de televisão.

Qual é o padrão para os meios digitais?

A acessibilidade é fundamental em todas as plataformas. Com isso, até sites institucionais, canais do YouTube e outras redes sociais podem – e devem – contribuir para a inclusão social da comunidade surda. Como? Acessibilizando o conteúdo.

Quem aceitou o desafio, claro, pode aprender com profissionais e instituições que atuam na área há mais tempo. Isso pode garantir qualidade na entrega do produto, uma vez que alguns padrões já foram criados e seguem sendo modificados com base na experiência de quem utiliza  janela de Libras.

Com isso, o Ministério da Cultura e a ABNT ajudam a estabelecer parâmetros para a produção desses conteúdos.

Principais recomendações

  • A janela deve ser posicionada à direita da tela, livre de símbolos ou outras imagens sobrepostas; 
  • A altura deve ser, no mínimo, a metade da altura da tela. Já a largura deve ocupar, pelo menos, a quarta parte da largura da tela;
  • Na hora da gravação, o plano de fundo deve ser nas cores azul ou verde em tonalidade compatível para a aplicação da técnica de edição Chroma Keyer, que permite a substituição do cenário do vídeo por uma imagem. 

O Movimento Web para Todos recomenda seguir essas mesmas diretrizes em vídeos publicados na internet. Outra forma de tornar a janela de Libras ainda mais acessível é escolher um fundo preto, pois tende a ser mais confortável especialmente para pessoas com surdocegueira. No entanto, se quem for fazer a interpretação tiver a pele negra, é melhor optar por um fundo de cor mais clara para garantir melhor contraste entre as mãos e o cenário.

Experiência com internautas melhora padrões

A startup alagoana Hand Talk, uma das organizações que apoiam o Web para Todos, também é uma referência na área. Ela passou a adotar novas diretrizes para melhorar a qualidade do recurso de acessibilidade depois que passou a avaliar a experiência de internautas que utilizam o tradutor virtual. 

Dentre as mudanças destacam-se o aumento do tamanho da janela e o seu posicionamento no lado inferior direito da tela do computador ou dispositivo móvel. 

Segundo o gerente de Comunidade da Hand Talk, Alexandre Ohkawa, essas modificações tornam as informações ainda mais acessíveis para o público. 

“Resolvemos escutar o apelo do público pelas experiências pessoais, para começar a mostrar as possíveis soluções do problema do tamanho da janela à sociedade. O apresentador do evento não precisa ser muito evidenciado, pois o público ouvinte faz questão de ouvir. É como se você estivesse ouvindo o rádio ou uma música. Precisa ver a pessoa cantando enquanto dirige o carro ou quando se está trabalhando no computador ou notebook? Então, os novos formatos ajudam o público que necessita da questão visual, como pessoas com baixa visão, com Síndrome de Usher e com deficiência auditiva que necessitam de legendas e de janela de Libras”, afirma Alexandre, que também é um dos nossos embaixadores. 

Tradutor virtual ou intérprete humano em vídeos? Qual escolher?

Tanto o tradutor virtual quanto o intérprete humano podem ser usados nas janelas de Libras em vídeos. Mas é preciso atentar para um detalhe: a inteligência artificial nem sempre conseguirá traduzir o contexto e as metáforas. É o ser humano quem domina melhor o abstrato e pode fazer conexões entre as informações.

Assim, se o conteúdo a ser traduzido for uma palestra, workshop, aula, atividade esportiva, noticiário, novela, campanha política ou apresentações teatrais, dentre outros desse tipo, o ideal é optar por  intérpretes humanos.


*Aretha Fernandes é  jornalista focada em Comunicação Acessível e especialista em Gestão da Comunicação Organizacional Integrada. Ela faz parte da rede de profissionais do Movimento Web para Todos que dedicam seu tempo de forma voluntária produzindo conteúdo sobre acessibilidade digital.

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