Como se descrever em reuniões e eventos?


Foto montagem com o rosto de cerca de 40 pessoas sorrindo, de diversas idades, etnias, cores de pele e biotipos.

Por Elza Maria Albuquerque e William Luz*

Você está em uma reunião ou evento online e precisa fazer a sua descrição para tornar as informações visuais acessíveis para um público com deficiência visual. Sabe por onde começar?

Nós, do Movimento Web para Todos, recebemos muitas perguntas sobre qual é a melhor forma de realizar essa atividade e o que é indicado para cada situação.

Essa ação específica da pessoa fazer a sua descrição está relacionada com a audiodescrição. Ela é um recurso de acessibilidade comunicacional que traduz imagens em palavras.

O público que se beneficia vai além de pessoas com deficiência visual. Estudos e especialistas afirmam que ela amplia o entendimento de pessoas idosas, com deficiência intelectual, com dislexia, entre outras. E também torna possível a compreensão de informações para todas as pessoas que, por algum motivo, estão impedidas de ver as imagens.

Por isso, conversamos com especialistas e pessoas usuárias com objetivo de facilitar a compreensão sobre a forma da pessoa se descrever. Nesta matéria, compartilhamos conceitos, situações e dicas que envolvem a prática principalmente no mundo digital.

A audiodescrição é a base de tudo

Usar ou não usar a expressão “autodescrição” quando nós mesmos fazemos a nossa descrição em eventos e outras situações em que precisamos realizar a ação? Qual é a expressão correta nesses momentos?

Percebemos que há diferentes interpretações. É importante lembrar que o objetivo principal neste contexto é tornar a informação visual acessível para as pessoas cegas e com baixa visão.

Segundo Doriane Vasconcelos, consultora em audiodescrição e integrante da Liga Voluntária do Movimento, autodescrição é o encadeamento de um conjunto de características pessoais que envolvem as características físicas, atitudinais, comportamentais, os hábitos e estilos de vida, dentre outras informações. “Importante destacar que autodescrição não é sinônimo de audiodescrição”, diz.

E nesse caminho de eliminar confusões, especialistas preferem evitar a expressão “autodescrição”. Lívia Motta, audiodescritora, é uma delas. “Embora o termo ‘autodescrição’ não seja errado, o uso tem levado a um entendimento equivocado do recurso de acessibilidade [audiodescrição]. As pessoas passam a considerar tudo como autodescrição. Melhor evitar”, explica Lívia.

Nesse caso, Lívia orienta o uso de algumas expressões, como: “Vou fazer a minha audiodescrição”, “Vou me descrever”, “Vou fazer a minha descrição”. Ela destaca a importância de sempre trazermos o contexto para que as pessoas entendam o motivo da utilização dessa ferramenta em eventos, reuniões e outras situações.

Diniz Candido, um dos nossos embaixadores e criador do Mundo Cegal, e Márcia Caspary, audiodescritora e produtora, concordam com Lívia sobre evitar a expressão “autodescrição”. Isso por causa das confusões geradas pela desinformação.

Atualmente, o Movimento Web para Todos orienta: vai fazer a sua descrição em um evento ou qualquer outra situação que precise do recurso com foco na acessibilidade? Prefira usar as expressões “Vou me descrever”, “Vou fazer a minha descrição”, “Vou fazer minha audiodescrição”. Principalmente porque a informação compartilhada é sobre o que pode ser visto de forma mais breve e objetiva.

Conheça 10 dicas para você se descrever 

Vamos para a parte prática com nossas dicas? Segundo Lívia Motta, uma sugestão é fazer a sua descrição seguindo a base da audiodescrição de pessoas.

O estudante Bruno Santerres, que também participa da Liga Voluntária, traz a perspectiva dele como pessoa com deficiência visual total e congênita. “A descrição da pessoa é uma ação muito significativa. Isso porque o recurso nos ajuda a formar um padrão mental dela”, afirma. Ele destaca os dois seguintes contextos:

  • No caso de quem tem deficiência visual congênita: uma descrição objetiva das características físicas traz uma ideia de acordo com o que já percebemos com o tato que já tivemos ao entrar em contato tocando familiares, amigos ou pessoas próximas.
  • No contexto de quem tem deficiência visual adquirida, ao se descrever, a pessoa ajuda que seja possível o acesso e a assimilação por comparação com as memórias visuais já obtidas.

Confira a seguir 10 dicas que preparamos para eventos e outras situações em que você pode se descrever:

1 – Contexto é importante

Antes mesmo de fazer a sua descrição, lembre-se de que o contexto é importante e ele impacta a informação que você vai compartilhar.

Exemplos:

  • Vai fazer uma sequência de vídeos para as redes sociais? Faça a sua descrição em todos os vídeos. Isso porque a roupa e os acessórios podem variar.
  • Leve sempre em conta o tempo que você tem disponível e quantidade de pessoas que ainda precisam falar. Muitas descrições podem mais atrapalhar do que ajudar.

2 – Inclua a sua descrição no início da sua fala.

A indicação é que você faça a sua descrição logo no início da sua fala (seja em qualquer situação online ou presencial, como em vídeos, palestras, reuniões e eventos).

3 – Seja breve.

Essa é uma das dicas principais que a maioria dos especialistas destacou. Uma orientação do Diniz Candido, por exemplo, é que a descrição dure não mais do que 10 segundos. Lembramos que esse tempo pode variar, claro, de acordo com cada situação que você estiver.

Como pessoa autista, o ato de me descrever é extremamente mecânico e precisei refletir para entender o que seria a minha descrição física. Optei por priorizar a percepção externa ao fazer a minha descrição. Busquei uma objetividade por meio dos relatos de terceiros, o que chamou atenção deles”, disse Pedro Henrique Leite, profissional da área de comunicação política e participante da Liga Voluntária.

4 – Inclua seu nome no início da sua fala.

Lembre-se de falar seu nome antes mesmo de compartilhar a sequência de elementos.

5 – Cuide das palavras que vai usar.

Faça esse cuidado diariamente sempre em busca de uma comunicação que seja mais inclusiva, diversa e acessível.
Exemplo: use terminologias corretas e que não discrimine pessoas.

6 – Siga a ordem dos elementos. 

O objetivo é facilitar a compreensão e a organização das informações.
A orientação é seguir a sequência: gênero, faixa etária, etnia, cor da pele, estatura, biotipo, olhos, cabelos e demais características marcantes. Essa indicação está na norma brasileira de audiodescrição da ABNT NBR 16452 que você pode acessar com mais detalhes no site da Prefeitura de São Paulo.

Uma dica de organização: faça uma lista antes com as informações da sua descrição. Essa ação pode economizar tempo quando você precisa e te ajuda a mencionar as informações na ordem correta. 

7 – Lembre-se de descrever apenas o que se vê.

Exemplo: se você está participando de uma live e as pessoas só visualizam você do peito para cima, não descreva os tênis já que eles não estão aparecendo no vídeo.

8 – Não é necessário mencionar todas as suas características físicas. 

Diga somente as mais marcantes. Lembre-se do contexto também.
Exemplo: Você está em um evento em que é importante reforçar alguma informação específica, como o corte de cabelo ou uma tatuagem bem visível. 

9 – Mencione as roupas após as características físicas.

É recomendável iniciar a descrição pelas peças maiores e pela parte superior.

Uma dica: quando fizer a descrição, destaque uma parte da roupa, um acessório ou uma cor que chame mais atenção visualmente. Isso pode facilitar que pessoas com baixa visão localizem você. 

10 – Diga onde você está e caracterize o lugar.

Lembra que falamos que o contexto é importante? Então! Essa dica colabora para a construção da descrição que você fez. Se as pessoas que enxergam visualizam onde você está, é importante que você compartilhe essa informação, traduzindo-a em palavras.  

Compartilhar informações sobre a sua localização colabora para a contextualização. Importante não repetir essa informação caso ela já tenha sido compartilhada em algum momento do evento ou reunião. Se tiver alguma novidade visual sobre o local, a sugestão é que você comente.

Exemplos de descrições  

Convidamos algumas pessoas da nossa rede a darem exemplos de como fariam a descrição de si. As descrições a seguir são aleatórias, ou seja, não estão baseadas em nenhuma foto específica. 

Lívia Motta, audiodescritora (exemplo de descrição no contexto online) 

Eu sou Lívia Motta, uma mulher branca, de pele clara, alta, tenho cabelos louros, curtos e lisos, com mechas mais claras e olhos verdes. Uso óculos de armação quadrada azul marinho e cinza. Uso túnica estampada com flores pretas, rosa e azul e calça preta. Estou aqui no meu escritório, ao fundo estantes com livros e pequenos objetos de decoração. 

Pedro Henrique Leite, faz parte da Liga Voluntária do WPT

Meu nome é Pedro Henrique. Sou uma pessoa de identidade de gênero não binária de expressão predominantemente masculina, tenho 28 anos, branca com alguns traços indígenas. Tenho 1,68 metro de altura e porte físico médio. Em meu rosto de formato redondo também estão dispostos pequenos olhos castanhos-esverdeados, longos cabelos cacheados, bigode e cavanhaque pretos, um nariz pequeno e uma boca larga.

Rafaela Ometto, faz parte da Liga Voluntária do WPT

Olá! Meu nome é Rafaela. Sou uma mulher de 35 anos, sou alta, tenho a pele clara, olhos castanhos e os cabelos de fios loiros, longos e lisos. Uso óculos de grau com armação na cor marrom e brincos pequenos. Estou no meu espaço de trabalho em casa, um quarto bastante iluminado, com paredes brancas. Uso fones de ouvido e estou sentada acomodada em uma cadeira de cor azul.

Diniz Candido, embaixador do Movimento Web para Todos 

Diniz preparou alguns exemplos de descrições que ele faria em situações específicas. Confira abaixo as situações e suas respectivas descrições. 

a) Em uma palestra presencial

Antes, vou falar fora do microfone para que todos possam saber onde estou. Agora sim. Sou Diniz Candido, um homem de pele clara, olhos e cabelos castanhos escuros, uso uma camisa azul e seguro um microfone nas mãos. 

b) Em uma palestra virtual

Sou Diniz Candido, um homem de pele clara, olhos e cabelos castanhos escuros, uso uma camisa azul e seguro um microfone nas mãos. 

c) Em uma reunião presencial 

Me descrevendo rapidamente, sou Diniz Candido, um homem de pele clara, olhos e cabelos castanhos escuros, uso uma camisa azul e estou sentado. 

d) Em uma reunião virtual ou live (curtas ou longas – com muitos ou poucas pessoas participantes)
Sou Diniz Candido, um homem de pele clara, olhos e cabelos castanhos escuros, uso uma camisa azul e fones de ouvido intra-auriculares. 

Valorização de profissionais da área  

Vale lembrar que as dicas que compartilhamos não excluem a importância da contratação de profissionais da área da audiodescrição em eventos e projetos. 

Os nossos objetivos com esta matéria são: 

  • Democratizar a audiodescrição (tanto para a contratação de profissionais quanto para que pessoas aprendam e incluam o recurso no dia a dia quando não é possível fazer a contratação). 
  • Colaborar para que mais pessoas sigam as orientações de forma correta com base no recurso. 
  • Tornar as informações cada vez mais acessíveis para as pessoas com e sem deficiência. 

Referências

Com o apoio da nossa rede e de profissionais de audiodescrição que colaboraram nesta matéria, listamos algumas referências de estudos e de conteúdos que mostram os benefícios da audiodescrição para diversos públicos.

Há materiais em português e em inglês, que podem ser traduzidos direto no navegador Chrome ou Edge. 

Principais fontes consultadas para essa reportagem: ABNT NBR 16452, Lívia Motta, Márcia Caspary, Diniz Candido, Doriane Vasconcelos, Fabiana Droppa e Gustavo Torniero.

*Elza Maria Albuquerque é jornalista e fundadora da Maria Inclusiva. William Luz é jornalista e analista de mídias sociais. Ambos fazem parte da Liga Voluntária do Movimento Web para Todos. Demais pessoas da Liga que colaboraram na construção dessa matéria: Ana Christinna Soares, Bruno Santerres, Doriane Vasconcelos, Nathalia Blagevitch, Pedro Henrique Leite e Rafaela Ometto.


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