Acessibilidade audiovisual: entenda a importância dela nos seus conteúdos

Criadora do MATAV fala sobre o tema e destaca o trabalho de audiodescrição



Lucinéa sentada falando ao microfone. Ela tem cabelos longos e lisos e está usando óculos.
Lucinéa Villela falando ao microfone. Foto: Raphael Teixeira.

Todo cidadão tem o direito de acessar conteúdos veiculados pelos meios audiovisuais em suas diversas plataformas com audiodescrição, legendas e Libras. Esse é o principal foco do grupo de Pesquisa “Mídia Acessível e Tradução Audiovisual” (MATAV), criado por Lucinéa Villela em 2013.

O objetivo da iniciativa é agregar pesquisadores, estudantes e profissionais de áreas variadas que têm o interesse comum de investigar a temática da acessibilidade na linguagem audiovisual. “Temos alunos e pesquisadores das áreas de Comunicação, Design, Letras e Tradução em nosso grupo. Nós nos reunimos quinzenalmente na Unesp de Bauru e nossas atividades são divididas em estudos teóricos sobre recursos de acessibilidade sensorial (audiodescrição e legendagem para surdos e ensurdecidos), cursos de extensão, seminários, palestras etc”, conta Lucinéa.

Lucinéa está há mais de 25 anos na área de Tradução e suas pesquisas de Mestrado (UNICAMP) e Doutorado (PUC) foram também focadas nessa área. “Depois de atuar muitos anos na área de ensino de Teoria e Prática de Tradução, em 2010, comecei a desenvolver pesquisas e projetos na área de Tradução Audiovisual, campo que envolve dublagem, legendagem, voice over, audiodescrição e outros recursos. O MATAV veio em 2013 para disseminar ainda mais acessibilidade audiovisual”, disse.

Atualmente, o MATAV desenvolve um projeto de produção de acessibilidade sensorial em videoclipes. As temáticas envolvem homofobia, transfobia e inclusão da pessoa com deficiência. “Não trabalhamos com o recurso de LIBRAS, pois nosso objetivo é trabalhar com os códigos verbais em língua portuguesa”, completa Lucinéa.

O Movimento Web para Todos conversou com Lucinéa sobre o trabalho que o MATAV  realiza, os desafios do grupo e, principalmente, sobre a audiodescrição (importância, como funciona, exemplos, dicas de como contratar esse tipo de serviço, etc) – tema que costuma despertar muitas dúvidas quando falamos de acessibilidade audiovisual.

WPT | O que é audiodescrição e qual é a definição que vocês utilizam no MATAV?
Lucinéa | A audiodescrição (AD) é apenas um dos recursos que estudamos no MATAV. Seguimos os conceitos de diversos autores europeus e brasileiros e pesquisadores da área. A audiodescritora Eliana Franco, por exemplo, possui uma definição de AD com a qual concordamos e buscamos seguir:

“A audiodescrição é um recurso de tecnologia assistiva que permite a inclusão de pessoas com deficiência visual junto ao público de produtos audiovisuais. O recurso consiste na tradução de imagens em palavras. É, portanto, também definido como um modo de tradução audiovisual intersemiótico, onde o signo visual é transposto para o signo verbal. Essa transposição caracteriza-se pela descrição objetiva de imagens que, paralelamente e em conjunto com as falas originais, permite a compreensão integral da narrativa audiovisual. Como o próprio nome diz, um conteúdo audiovisual é formado pelo som e pela imagem, que se completam. A audiodescrição vem então preencher uma lacuna para o público deficiente visual.”

Assim, como Eliana, defendemos que, antes de tudo, a AD é uma modalidade de tradução. A minha aderência a projetos acessíveis veio de minha formação inteira em Tradução. Há audiodescritores que pertencem a outras áreas de conhecimentos. Mesmo com nossas diferenças, vamos nos unindo e compartilhando conhecimento de vários contextos para que consigamos aprimorar um recurso que deve substituir o sentido da visão. Isso não é pouco!

WPT | Como a audiodescrição é feita? Pode contar um pouco como ela acontece no dia a dia?
Lucinéa | É importante destacar que a AD é composta por diversas etapas e sempre é realizada em equipe. A primeira etapa consiste em elaborar o roteiro em que são incluídas descrições sucintas dos elementos visuais principais do objeto ou evento que será audiodescrito. Para preparar o roteiro, há necessidade de capacitação em parâmetros específicos do recurso, além de participar de cursos, oficinas e muito treinamento na área com audiodescritores que tenham conhecimento teórico e técnico na área. Destaco que sem conhecimento teórico sobre Tradução Audiovisual, não teremos uma boa AD.
Depois da primeira versão do roteiro da AD, é aconselhável que consultores com deficiência avaliem o roteiro. Caso não tenhamos acesso a consultores cegos, submetemos nosso material a parceiros que já atuam profissionalmente na área e possuem expertise.
Depois da revisão final do roteiro, há duas maneiras de apresentar a AD: ao vivo ou gravada. Se a AD for realizada ao vivo, o audiodescritor-locutor deve ter capacitação não somente em locução, mas também precisa estar preparado para improvisações que são acrescidas conforme ocorram mudanças nas apresentações de teatro, espetáculos, eventos esportivos etc.
Se a AD for gravada, o profissional tem que realizar a gravação em um estúdio e outro profissional da área de produção de áudio, faz a edição final do produto. Às vezes, uma pessoa consegue exercer mais de uma tarefa. Há roteiristas que também fazem locução AD, locutores que editam áudio etc.
Percebemos, assim, que a elaboração de uma boa audiodescrição é muito parecida com o trabalho de dublagem. Não é por acaso que, no Brasil, contamos com muitos profissionais da dublagem que estão atuando também no campo da AD.

WPT | Você pode dar alguns exemplos dos recursos de audiodescrição que vocês realizam?
Lucinéa | Temos o canal do YouTube MATAV Mídia Acessível com algumas de nossas produções.
Nosso primeiro projeto foi realizado em 2013 com uma websérie chamada #E_vc?. Os episódios foram disponibilizados no canal no mesmo ano, mas em 2018 tivemos que recarregá-los para incluir as legendas em inglês.
Em 2014, fizemos nosso primeiro produto autoral, um foto-documentário sobre os 50 anos da Ditadura Militar no Brasil.
Temos vídeos institucionais também que estão disponibilizados no site. Fizemos uma série de curtas chamada de “Inclusive Elas”, na qual mostramos depoimentos de quatro universitárias da Unesp/Bauru com quatro deficiências diferentes. A ideia foi mostrar os desafios que elas passaram ao serem inseridas na universidade.

WPT | Quais são os principais desafios do trabalho realizado no MATAV?
Lucinéa | O maior desafio de nossos projetos é conseguir atrair para o MATAV os usuários de nossos recursos, que são as pessoas com deficiências visuais e auditivas. Elas são nosso público-alvo, mas infelizmente, ainda não contamos com consultores com deficiência em Bauru. As razões para isso são variadas. Há muitas instituições que apoiam as pessoas com deficiência na cidade, mas percebemos pouca autonomia e independência das próprias pessoas com deficiência em se tornarem visíveis por si mesmas. Notamos que, muitas vezes, elas só comparecem nas atividades se forem levadas pela instituição ou escola em que estão inseridas. Não há ainda a autonomia de participarem de eventos sobre acessibilidade sem que sejam “conduzidos” por outros. Talvez seja uma realidade brasileira, mas como nosso grupo não possui recursos financeiros para fazer o transporte para que elas cheguem aos nossos eventos, ficamos reféns de instituições. E, muitas vezes, elas possuem um engessamento de agenda.
Mesmo assim, sempre que temos oportunidade, apresentamos nossos produtos em eventos para que as pessoas com deficiência os avaliem, mas não formalizamos os resultados da pesquisa de recepção. Esse é nosso desafio para 2018 e 2019.

WPT | O número de pessoas interessadas em tornar os conteúdos acessíveis tem aumentado?
Lucinéa | Desde 2010, no Brasil, existem várias leis, portarias e normativas que obrigam a inclusão de AD, legenda descritiva e LIBRAS em programas dos canais de TV aberta, nas salas de cinema, nos teatros, museus etc. Isso fez com que a demanda pelo serviço aumentasse e, consequentemente, a formação de profissionais na área também fosse aquecida.
Obviamente que há casos de pessoas que não têm qualificação para atuar na área e serem contratadas. Isso porque colocam o preço de seu serviço muito abaixo do que um profissional cobraria.
Há uma discussão calorosa no meio de audiodescritores sobre esse assunto, mas eu tenho muita experiência em tradução e sei que isso acontece em qualquer área profissional. Sei que, no fim, o próprio mercado exclui o serviço de qualidade ruim.

WPT | O que é importante saber na hora de contratar um serviço de audiodescrição?
Lucinéa | Não há como pagar pouco por um serviço de excelente qualidade. A AD é um serviço de muita precisão e que só será boa se for feita por profissionais bem formados. Caso contrário, teremos uma descrição confusa de imagens que trará mais desvantagens do que vantagens para a pessoa com deficiência. Minha dica para quem for contratar o serviço é checar o portfólio do candidato, verificar quais cursos fez de audiodescrição e, principalmente, se os cursos foram presenciais e de longa duração.

WPT | O que falta para que a audiodescrição seja mais difundida?
Lucinéa | Os audiodescritores brasileiros já estão se organizando em associações. Em 2017, foi criada a Associação Brasileira de Audiodescrição (ABAD).
Faço parte da ABAD e um dos objetivos da Associação é justamente difundir as boas práticas de AD. Não temos intenção nenhuma de ser sindicato ou escola de audiodescrição, mas conscientizar os produtores culturais, as universidades brasileiras e a sociedade em geral de que a AD é um recurso que deve ser inserido em todos os conteúdos e plataformas de acesso de informação, cultura, educação etc.

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