Invenções pela acessibilidade


Foto de uma régua Braille em destaque tocada pelas mãos de uma pessoa. O equipamento está sobre uma mesa com teclado, mouse e monitor de computador.

Por Ana Galante*

Em uma biblioteca do Estado Amazonas, lê-se a citação no alfabeto criado pelo jovem Louis Braille: “a luz através das mãos”. Este alfabeto representa um ponto luminoso na história da humanidade e sintetiza a importância dos inventores e inventoras.

Até hoje, para quem possui deficiência visual e precisa anotar algo manualmente e com privacidade (sem uso da voz) em espaços públicos, não há substituto para a reglete e a punção. Nem um meio mais eficaz para alfabetizar as crianças.

O Comitê Paraolímpico brasileiro traz uma história que comprova a potência da criatividade como instrumento de inclusão. Em uma noite nos anos 70, Michael Pachovas e alguns amigos dirigiram-se a um meio-fio em Berkley, nos Estados Unidos, onde despejaram cimento formando uma rampa e deslizaram noite adentro em suas cadeiras de rodas. 

Atualmente, as rampas auxiliam diversos grupos: mães com carrinhos de bebês,pessoas que utilizam muletas ou transportam malas com rodas, idosas com andadores, entre outras No aspecto simbólico, a rampa representa o acesso simultâneo e universal aos direitos humanos, o que significa considerar a diversidade sem segregar ninguém.

A escola é um ecossistema voltado ao desenvolvimento das capacidades cognitivas de cada pessoa e de sua sociabilidade. Nesse sentido, a educação inclusiva contribui significativamente para que novas gerações inovem em favor da acessibilidade.

A escola me ensinou algo que quando a gente aprende jamais esquece: o desejo de vida, que me ajudou a superar qualquer outro obstáculo. Assim foi resumido o legado da educação pelo psicólogo e inventor Cláudio Luciano Dusik.

Ele desenvolveu um software denominado “mousekey”, que lhe permitia escrever num sistema silábico e o liberou do uso do ponteiro de cabeça, de utilização mais demorada, por demandar a digitação letra por letra. Por exemplo, para escrever a palavra botão com o método do palito precisaria apertar b, o, t, ã, o. Com esse programa, bastam dois cliques nas sílabas “bo” e “tão” Posteriormente, Cláudio aprimorou o software para que pessoas com vários tipos de restrições de movimento também tivessem acesso. E disponibilizou de forma gratuita.

A sugestão de uma estudante inspirou outra invenção: um cachorrinho-robô, que substituísse um cão guia. A professora de robótica Neide Selin trabalhou no projeto por mais de uma década. Atualmente, o robô chamado “Lysa” “fala” e direciona seus condutores por meio de rodas que os puxam para frente ou para os lados e ainda os fazem parar diante de obstáculos.

Porém, pessoas cegas, usuárias ou não de cão-guia, observaram algumas limitações: a  Lysa não sobe escadas, pode se enroscar em buracos.Trata-se de um equipamento pesado para ser carregado no colo, se for preciso. Também existe o risco de a bateria acabar em momentos inapropriados. Não aguentar chuva e o alto custo do produto são outros fatores limitantes. Esse tipo de avaliação é sempre muito bem-vinda, pois contribui para que o time de desenvolvimento encontre respostas e amplie os contextos contemplados.

Acessibilidade em múltiplas dimensões

Admirável também foi a dedicação do português Jaime Filipe, que se destacou na Engenharia de Reabilitação com diversas invenções promotoras de acessibilidade visual, motora e auditiva. Um de seus inventos é comercializado até os dias atuais: o elevador de cadeira de rodas, premiado no 32º Salão Mundial de Invenção e Inovação de Bruxelas.

Para viabilizar os inventos, Jaime Filipe chegou a trocar alguns projetos por produtos finalizados que pudessem ser utilizados em Portugal em centros de reabilitação. Este exemplo demonstra que a acessibilidade é multidimensional, abarcando também os aspectos socioeconômicos.

Assim, para que muitas invenções alcancem todos os territórios na velocidade que as pessoas precisam, a parceria com empresas privadas se faz necessária.

Henrique Malvar, autor de 120 patentes nos Estados Unidos e de 180 artigos técnicos, coordena equipes que pesquisam novas interações humano-máquina. Os trabalhos de pesquisa contribuíram para que pessoas vítimas de paralisia possam comandar o computador com o movimento dos olhos e quem tem deficiência visual a caminhar pela cidade recebendo orientações de voz por áudio tridimensional do seu celular. 

Malvar conta com a estrutura da multinacional para a qual trabalha para escalar as tecnologias de acessibilidade. Seu laboratório é dividido em três áreas: Enable, que desenvolve sistemas práticos de acessibilidade; Epic, que se dedica à realidade virtual e aumentada; e Ability, focada em pesquisas na área de acessibilidade. Ele diz que ali é possível resolver problemas computacionais “na nuvem” que nenhuma instituição acadêmica ou órgão governamental consegue.

Vale destacar também a importância do WiFi livre para o acesso universal à internet, possibilitando projetos de estudo, pesquisa e trabalho. Assim como a cooperação de grupos a distância, com o objetivo comum de propiciar o acesso a direitos. Um exemplo concreto é o Movimento Web para Todos, que mobiliza a inteligência coletiva para tornar o espaço digital mais inclusivo e acessível para todas as pessoas.

Entre tantas formas distintas de inovar qual o fio que une a trama da diversidade? Inventores e inventoras pela acessibilidade não se contentam em criar novas formas de transpor barreiras. Trabalham para garantir que, ao chegar do outro lado, cada pessoa complete seu trajeto com tranqüilidade.

*Ana Galante é especialista em acessibilidade digital, analista de qualidade (QA) e uma das voluntárias do Movimento Web para Todos. Ela se descreve assim: “meu nome é Ana e gosto de gente. Antes catava latinhas. Com apoio da Educafro, hoje cato conhecimentos. Trazer equidade a produtos e serviços digitais é o que me motiva. E, para além da profissão, espero aplainar os caminhos para todas as pessoas, onde estiver.”


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