Como a falta de acessibilidade na web afeta atividades diárias de pessoas com diferentes perfis


Mosaico com três fotos em close de Alexandre Ohkawa, Leonardo Gleison e Nathalia Blagevitch.
Da esquerda para a direita: Alexandre Ohkawa, Leonardo Gleison e Nathalia Blagevitch, que são embaixadores e embaixadora do Movimento Web para Todos.

Em uma das reuniões da Liga Voluntária, programa de voluntariado do Web para Todos, convidamos dois de nossos embaixadores e uma embaixadora para compartilharem suas experiências de navegação na web. Pedimos para que listassem exemplos de barreiras de acessibilidade que costumam enfrentar todos os dias ao acessar sites, aplicativos, redes sociais, serviços de atendimento a clientes, plataformas de ensino a distância, entre outros canais.

“É impressionante acompanhar como as plataformas têm evoluído em tecnologia e em complexidade, mas quem as desenvolve ainda não considera os requisitos mínimos de acessibilidade”, comenta Simone Freire, idealizadora do Movimento. Na opinião dela, infelizmente ainda não há um interesse genuíno pela inclusão por parte das organizações.

É sabido que contemplar a diversidade humana nos projetos é algo bastante complexo, mas não é impossível. Ainda mais quando se têm diretrizes de acessibilidade já testadas e consolidadas no mundo todo, como é o caso das WCAG – Web Content Accessibility Guidelines, do W3C.

Para ajudar a entendê-las na prática, contamos com o apoio do Reinaldo Ferraz, especialista em acessibilidade digital no Ceweb.br/NIC.br e um de nossos embaixadores, para relacionar cada uma das barreiras apontadas na reunião da Liga ao critério de acessibilidade da WCAG 2.1.

O resultado você confere a seguir. O conteúdo detalhado dos links que estão nesta matéria é do W3C e está em inglês. Para ler em português, basta acionar a tradução automática no navegador Chrome ou Edge. 

Barreiras digitais enfrentadas por pessoa com deficiência motora

Nathalia Blagevitch, especialista em diversidade e inclusão e uma de nossas embaixadoras, citou algumas barreiras digitais bem comuns para pessoas com seu perfil. Ela tem deficiência motora em função de paralisia cerebral e utiliza apenas uma de suas mãos para digitar. 

Comando de voz são ainda mais cruciais para ela quando está segurando seu celular com a mão sem limitação motora. Digitar, para ela, é uma tarefa árdua e cansativa, sem contar no tempão que leva e que poderia ser economizado se os sites e apps seguissem as diretrizes da WCAG. 

Hoje, ela utiliza praticamente apenas tablet e celular, ambos com sistema iOS. Alguns sites, como o do Detran e do Procon, não têm funcionalidade completa na versão mobile, o que faz com que ela tenha que acessá-los via computador. Também citou que a função de autocompletar e o comando de voz não funcionam em todos os ambientes.

O processo de solicitação de biometria facial é outro exemplo de barreira citada pela Nathalia. “Não é incomum empresas solicitarem comprovação de identidade pedindo para eu posicionar a câmera do celular de um jeito que mostre meu rosto e meu documento ao mesmo tempo. Mas isso é impossível para mim e nem sempre existe alternativa de acesso”, explica Nathalia. 

Outra dificuldade apontada por ela, por usar apenas uma mão, é acionar dois botões de uma só vez. Neste caso, a barreira está além da web, o que indica mais uma vez que há necessidade de um olhar ampliado a respeito da acessibilidade.

Nathalia comentou ainda que antes ela conseguia escrever um post no Instagram por comando de voz. Com a atualização da plataforma, a integração com a Siri, assistente virtual do sistema iOS, não funciona mais. 

Disse que o bom da Siri em relação à Cortana (assistente de voz do Windows) é que ela aprende por inteligência artificial e vai facilitando cada vez mais a digitação falada. No entanto, tudo volta à estaca zero quando a Apple faz atualizações do iOS.

De todos os sistemas que atendem pelo comando de voz, a que funciona melhor para ela é Alexa.

Critérios da WCAG 2.1 que podem ajudar a resolver as barreiras apresentadas pela Nathália:

  • Critério de sucesso 2.5.6 – Mecanismos de entrada simultâneos (nível AAA)

Compreendendo o critério “mecanismos de entrada simultâneos

Como cumprir o critério “mecanismos de entrada simultâneos

  • Critério de sucesso 2.5.1 – Gestos de acionamento (nível A)

Compreendendo o critério “gestos de acionamento

Com cumprir o critério “gestos de acionamento

  • Critério 3.3.5 – Ajuda (Nível AAA)

Compreendendo o critério “ajuda”

Como cumprir o critério “ajuda”

Barreiras digitais enfrentadas por pessoa com cegueira

Leonardo Gleison, engenheiro de software, consultor em tecnologia assistiva para pessoas com deficiência visual e um dos embaixadores do Web para Todos, escolheu três barreiras muito simples de serem resolvidas, mas que ainda estão presentes em praticamente todos os sites brasileiros.

A falta de descrição nas imagens é a primeira. Para ele, não é possível ainda delegar essa função para a inteligência artificial. “A tecnologia tem evoluído muito neste quesito, mas ainda está longe de entregar uma descrição de qualidade. Pessoas cegas também querem compreender detalhes da imagem assim como as que enxergam. Afinal, ninguém coloca uma imagem num site sem que haja um propósito, né?”, explica Leonardo.

Outro problema que ele encontra frequentemente é a falta de rótulo adequado em campos de formulário. Rótulo é a identificação que se dá ao campo que deve ser preenchido, por exemplo, se é para preenchê-lo com nome ou CPF. Pode ser bem mais simples para quem enxerga “bater os olhos” e saber o que deve ser escrito ali. Mas se não tiver uma conexão lógica e que “converse bem” com leitores de tela, a tarefa fica quase impossível de ser completada.

Ele alerta também para a importância de se organizar um site ou aplicativo seguindo a hierarquia lógica de construção de títulos que compõem o menu. Esse tipo de organização é bom até para quem não tem deficiência visual, pois há um aprendizado que vem desde os primeiros anos de escola, um padrão que nosso cérebro já está acostumado. Em sites e apps essa estrutura lógica de títulos e subtítulos também precisa ser seguida e estar devidamente adequada à navegação por leitores de tela.

Critérios da WCAG 2.1 que podem ajudar a resolver as barreiras apresentadas pelo Leonardo:

  • Critério de Sucesso 1.1.1 Conteúdo Não Textual (nível A)

Compreendendo o critério “conteúdo não textual

Como cumprir o critério “conteúdo não textual”

  • Critério de sucesso 2.4.6 – Cabeçalhos e rótulos (nível AA)

Compreendendo o critério “cabeçalhos e rótulos”

Como cumprir o critério “os cabeçalhos”

  • Critério de sucesso 2.4.10 – Cabeçalhos da Sessão (nível AAA)

Compreendendo o critério “cabeçalhos da sessão

Como cumprir o critério “cabeçalhos da sessão

Barreiras digitais enfrentadas por pessoa com surdez

Alexandre Ohkawa é surdo sinalizante, oralizado e implantado. Libras é sua primeira língua. Ele é arquiteto, consultor, gestor e especialista em acessibilidade, diversidade (comunidade surda), cultura e inclusão. É também presidente da Associação de Surdos do Estado de São Paulo Vem Sonhar e um de nossos embaixadores.

Destaca que é sempre importante que se tenha janela de Libras e legenda em conteúdos falados, pois muitas vezes ele recorre a elas, além da leitura labial, para entender palavras e termos específicos. Para ele, o ideal seria dar a opção de ativar e desativar esses campos manualmente, como já acontece com as legendas no YouTube. 

Alexandre alerta para o problema quando a pessoa fala muito rápido, pois isso compromete a sincronia com as legendas e com a tradução em Libras, prejudicando bastante a compreensão do conteúdo. Disse que acontece muito em programas jornalísticos, em lives e em aulas online.

A tecnologia ajuda bastante com as legendas criadas automaticamente, mas ainda estão longe do ideal. A qualidade do texto é muito prejudicada quando a pessoa fala muito rápido, se usa termos técnicos ou palavras não tão conhecidas, se há ruídos que interferem na fala, entre outros. 

“Fico muito triste e aborrecido quando não consigo acompanhar eventos ao vivo e tenho que esperar ao menos um dia para que as legendas sejam geradas automaticamente. Isso faz com que a comunidade surda fique sempre pra trás e impedida de participar dando suas opiniões, fazendo perguntas ao mesmo tempo que ouvintes”, lamenta Alexandre.

Ele ressalta, também, que é necessário que não haja poluição visual, como é comum em programas jornalísticos da Globonews e CNN, por exemplo. Os letreiros que ficam passando sem parar na parte inferior da tela, mais os logotipos e outros ícones, acabam dificultando demais a atenção, pois há muita coisa para processar: legenda + Libras, leitura labial + imagens. E isso torna o processo absolutamente cansativo e desgastante, segundo ele.

Nas comunicações por chat também existem barreiras de acessibilidade, especialmente com bancos. Ele explica que o processo de respostas nesse tipo de canal é muito demorado e na falta de solução para o problema (já que em muitos casos as respostas são de robô), a pessoa acaba sendo direcionada para ligação telefônica. “Só que aí eu perco minha autonomia, porque não consigo ouvir e preciso sempre contar com a ajuda de uma pessoa ouvinte”, pontua Alexandre.

Sobre os avatares que traduzem automaticamente conteúdo textual para Libras, ele explica que é um recurso que ajuda, mas não é 100% eficaz, pois ainda não traduz tudo com qualidade. O problema aumenta quando há muitas metáforas, contexto figurado, jargões etc. Ele lembra também que avatares são adequados apenas para conteúdos textuais e nunca para vídeos.

Critérios da WCAG 2.1 que podem ajudar a resolver as barreiras apresentadas pelo Alexandre:

  • Critério de sucesso 1.2.6 – Língua de sinais (pré-gravada) (nível AAA)

Compreendendo o critério “língua de sinais”

Como cumprir o critério “língua de sinais”

  • Critério 3.3.5 – Ajuda (Nível AAA)

Compreendendo o critério “ajuda” 

Como cumprir o critério “ajuda”


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