“Acessibilidade digital deveria ser disciplina dentro dos cursos universitários”, diz Vânia Ribas Ulbricht

Para a pesquisadora, professora e doutora, estudantes têm que entrar em contato com o tema durante a formação para ele fazer parte da sua rotina profissional


Foto estilo selfie de uma mulher branca, com cabelos loiros curtos, jogados para o lado direito. Ela usa óculos de grau com armação marrom, blusa preta florida e um par de brincos pequenos . Atrás dela, há itens de papelaria sobre uma mesa e uma grande janela.

Por Henrique Berg, Dr.*

A academia ainda é uma das principais produtoras de inovação no mundo, pois concentra uma grande parte dos pesquisadores em torno de projetos e grupos de pesquisa. Nesse contexto, é extremamente importante entender como o tema da acessibilidade digital é percebido e está avançando dentro desse meio.

Para isso, nosso voluntário Henrique Berg entrevistou a pesquisadora, professora e doutora Vânia Ribas Ulbricht, que trabalha desde 1997 com acessibilidade de ambientes virtuais de aprendizagem. Na entrevista, a coordenadora do Núcleo de Acessibilidade Digital e Tecnologias Assistivas conta sobre os avanços que tem percebido nessa área e por que ela deve fazer parte da grade curricular dos cursos universitários. Confira!

WPT: A acessibilidade digital vem ganhando cada vez mais destaque. Algumas tecnologias já são comuns em nosso dia a dia, mas no digital ainda há muito o que se fazer. Por que ela é importante e está em evidência?

Vânia Ribas: A acessibilidade digital é essencial para que todas as pessoas tenham acesso a esse mundo virtual que “está nas nossas mãos”, por meio do celular e dos computadores. São coisas que, pouco tempo atrás, não se tinha acesso e, ainda hoje, muitas pessoas não têm. Quando eu penso que uma pessoa cega tem muita restrição para uso do computador, realmente ela deixa de conhecer parte do que é disponibilizado para ela como cidadã. E isso nós temos que reduzir sempre.

WPT: O Brasil tem leis que exigem acessibilidade tanto em ambientes físicos quanto virtuais. Qual é a situação hoje da acessibilidade digital no Brasil em relação a outros países? Estamos mais adiantados ou atrasados?

VR: A gente tem que pensar em acessibilidade para todas as pessoas que necessitam dela, permanentemente ou por algum período específico. Na parte virtual, apesar do Brasil ter leis sobre o tema, não se exige que elas sejam cumpridas. Então, a maioria dos sites, toda essa comunicação que nós temos via internet, ela não é acessível para pessoas cegas, surdas, principalmente, nem para pessoas idosas. E a população brasileira está caminhando rapidamente para esse envelhecimento. Então, eu não sinto que o Brasil esteja adiantado nesse sentido. Já foi feita alguma coisa, claro! Mas ainda há muito o que fazer e tomara que a gente consiga continuar trabalhando e conquistando mais espaço.

WPT: Para apoiar as pessoas com deficiência, são desenvolvidas novas tecnologias, como leitores de telas para quem tem deficiência visual, tradutores automatizados para Libras e navegação assistiva para quem possui deficiência motora, como Stephen Hawking usava. Quais são as tendências em relação às tecnologias assistivas? Espera-se progresso com inteligência artificial e melhor integração com ambientes digitais como sites, aplicativos e jogos eletrônicos?

VR: Eu não vejo que nós estamos conquistando essas tecnologias que aqui se fala. A deficiência visual tem tradutores, mas o texto que esse leitor de telas vai ler tem que ser preparado, não é qualquer texto. É difícil fazer? Não, mas leva tempo. Os tradutores automáticos de Libras ainda não funcionam bem. A navegação assistida já funciona um pouco melhor. Na verdade, a inteligência artificial pode ajudar, eu acredito sinceramente que pode. Mas tem que ter alguém para desenvolver esses programas – nada é feito sozinho. Então, quem trabalha com programação e desenvolvimento têm que ter muita noção do que é preciso fazer para garantir a acessibilidade, eu não digo plena, mas quase plena para as pessoas que necessitam desses recursos.

WPT: Dentro desse foco, das tecnologias assistivas, algumas empresas oferecem overlays, que são programas que criam camadas sobre a linguagem de programação com a intenção de tornar o site acessível a pessoas com deficiências variadas. Entendemos que pessoas são diferentes, bem como suas deficiências. Dessa forma, é possível termos uma solução para acessibilidade digital universal e totalmente automática?

VR: Infelizmente, não. Gostaria muito de poder afirmar que nós estamos caminhando para uma acessibilidade digital universal e totalmente automatizada. Mas eu não acredito nisso, porque acho que o Brasil está atrasado e nós não estamos buscando essa solução.

WPT: Sendo a acessibilidade uma atividade que busca a inclusão de pessoas com deficiência, quais os estímulos para o tema entrar em grades curriculares nas universidades brasileiras? Como acontece em outros países?

VR: Eu não vejo que a universidade esteja caminhando para a inclusão de pessoas. O que eu vejo é elas se limitando ao cumprimento da lei e só. Por exemplo, eu tenho uma mestranda que é surda e ela passa muita dificuldade para entender as aulas. Tá, ela tem direito a intérpretes de Libras que, durante a aula, estão lá fazendo a tradução para ela. E eles traduzem suficientemente bem, mas têm palavras específicas, vocabulário específico que, às vezes, eles não conhecem. Isso não deixa de ser uma barreira na comunicação. Deveríamos ter intérpretes por área, que conheça bem português, que conheça bem sobre história e os termos que se usam nela, na geografia ou em outras línguas para poder fazer essa tradução de uma forma mais satisfatória.

O cumprimento da lei é pouco, a lei é pouca. Então, eu acho que temos que ter muito mais acessibilidade. E deveríamos ter isso já no ensino básico, no segundo grau. As pessoas têm que conhecer as necessidades alheias para poder fazer alguma coisa. Enquanto isso não acontecer, elas não vão pensar no outro. Principalmente em cursos da área de informática e tecnologia. Eles deveriam ter uma cadeira de acessibilidade, uma disciplina ao longo de toda formação. Porque, à medida que a gente forma profissionais, essas pessoas deveriam ter como rotina programar com acessibilidade.


* Henrique Berg é um dos especialistas voluntários do Movimento Web para Todos. Publicitário pela Unisinos no campo de pesquisa e planejamento, com mais de 35 anos atendendo varejo, indústria e governos. Doutor em Mídia do Conhecimento pela UFSC, com pesquisa de acessibilidade digital de pessoas com deficiência. Professor universitário das disciplinas de Marketing e Pesquisa Científica. Currículo completo na plataforma Lattes.

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