“Ser professor é aprender diariamente a construir uma aula com base nas diferenças”, diz professor surdo



Valter Lenine sorri. Ele é loiro, tem cabelos curtos e barba. Está usando óculos e uma blusa social estampada e azul.
Valter Lenine Fernandes, professor surdo. Foto: Arquivo pessoal.

Por Elza Maria Albuquerque* 

Como professores e professoras no Brasil têm lidado com as tecnologias e a modalidade EAD? Qual é a importância da acessibilidade digital nesse cenário? Quais são os pontos positivos de ser professor?

Com o convite da campanha #Nem1PraTrás, do Canal Futura em parceria com diversas organizações, vamos compartilhar duas histórias de educadores que falam sobre essas questões e o impacto das tecnologias e da acessibilidade digital na educação.

A iniciativa do Futura é uma jornada de mobilização presencial e digital pela valorização dos educadores. Hoje, vamos saber dos próprios professores, Juliana Fonseca Duarte e Valter Lenine Fernandes, o que há de melhor nessa profissão e também quais são os desafios quando o assunto é o mundo digital.

O melhor de ser professor

Juliana Duarte sorri. Ela tem cabelos longos e encaracolados acima dos ombros e está usando uma blusa preta e um crachá.
Juliana Duarte, professora. Foto: Arquivo pessoal.

“O melhor de ser professor é….” é o ponto principal da campanha #Nem1PraTrás. Confira, abaixo, as respostas dos dois professores:

Juliana Fonseca Duarte é professora e especialista em Educação a Distância e trabalha atualmente como especialista em desenvolvimento industrial no Sesi.

“O prazer em compartilhar ideias e ver as crianças se apropriando e criando outras, indo além. Cada um no seu tempo e da sua maneira. Fora que ser professora hoje é algo menos solitário, mais colaborativo, é possível trocar experiências. Se antes queria fazer algo diferente e não encontrava ideias ou pares para discuti-las, hoje há comunidades virtuais que extrapolam os cursos online. Há 50 anos, já se falava da força das comunidades de aprendizagem, hoje, de fato, conseguimos vivenciá-las”, conta.

Já Valter Lenine Fernandes é professor surdo e atualmente leciona História no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense. É também integrante do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (NAPNE).

“O melhor de ser professor é verificar que a nossa aula impacta de forma positiva a vida de cada discente. É aprender diariamente a construir uma aula com base nas diferenças. É gostar de ser humano. Ser professor significa gostar de desafiar a sociedade com questões, é saber que as discussões desconstruirão valores que atrasam a vida política, econômica e social do país. É não perder de vista a luta pela valorização da carreira de Magistério. Por último, é magnífico ser professor e ver grupos de alunos no Instituto Federal desenvolvendo Projetos de Acessibilidade porque estão tendo contato com um Professor Surdo”, afirma.

Preparação e acesso

Como o professor deve se preparar para as tecnologias e a modalidade EAD? De acordo com Juliana, uma das maiores dificuldades do professor no processo de uso das tecnologias é compreender que a mudança de cultura não é necessariamente ruim. “É preciso perder o medo de testar, experimentar. O erro ainda é tabu. O acesso, o uso e a apropriação das tecnologias trazem uma relação com foco na ação e essa forma de lidar com o conhecimento foi historicamente esvaziada na escola.”

Já no caso da EAD, ela conta que é preciso automotivação e disciplina. “É um processo mais solitário e introspectivo com o conhecimento e são necessários auto-organização de horário e estudo que nem todos têm ou se dispõem a ter. Como seres humanos conseguimos nos adaptar a diferentes rotinas, só é preciso ter disposição e começar”, diz.

Falta de acessibilidade e aprendizado

Nesse universo de formação, como é a parte de acessibilidade para um professor surdo dar aulas na modalidade EAD? Valter já lecionou nessa modalidade durante quatro anos no curso de Licenciatura em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Segundo ele, a plataforma não tinha acessibilidade digital.

“Encontrei primeiro o desafio de atender o telefone para falar com os alunos. Como sou surdo, não realizei essa tarefa. O jeito foi colocar o contato via e-mail ou na plataforma. Os alunos acabaram se sensibilizando e entravam em contato por mensagem. Pensando nos alunos com deficiência, a plataforma tinha diversas barreiras, como a ausência de uma janela para usuários de Libras, videoconferências, legendas nas aulas, entre outros”, conta Valter.

Ele destaca a importância da sociedade entender o contexto do professor surdo no Brasil para construir melhorias. “Atualmente sou professor, mas isso não significa que temos muitos professores surdos. Ao contrário, os espaços não são acessíveis e nós, surdos e pessoas com deficiência, ainda somos uma minoria dentro de um grupo de profissionais contratados. Ser Professor Surdo no Brasil significa comemorar. Ao mesmo tempo, o contexto nos incentiva todos os dias para que os espaços online e físicos sejam acessíveis e inclusivos.”

Apesar das barreiras de acessibilidade, ele diz que costuma usar bastante a web para aprimorar seus conhecimentos como professor e a utiliza também na sua dinâmica para compartilhar dicas com seus alunos.

“Já encontrei algumas plataformas acessíveis em alguns aspectos, com legendas, mas sem a janela de Libras. Procuro indicar alguns sites para os meus alunos. Há diversos museus online em diferentes espacialidades e temporalidades históricas, sites de grupos de pesquisas das Universidades Federais e boa parte dessas plataformas não conta com janela em Libras, alguns apenas têm legendas. De maneira geral, os sites das Faculdades ou dos grupos de pesquisa em História não possuem acessibilidade digital”, afirma.

Importância da empatia

Mas qual é a importância da acessibilidade digital na formação de professores? Para Juliana, ela é essencial. “Desconsiderar a acessibilidade é excluir parte da população dos processos de ensino, impossibilitar experiências e outras vivências. As orientações e o apoio ao professor precisam ser adequados, independentemente de quem está atrás da tela. Hoje, temos tecnologia à disposição para fazer isso acontecer com muito mais fluidez do que há 10 anos. Sei que ainda há muito a ser feito, mas o olhar cuidadoso, a abertura e empatia para com o outro devem ser presentes.”

Valter lembra que a tecnologia e a acessibilidade digital são aliadas para o aprendizado não apenas das pessoas com deficiência, mas de todos. “Exemplo prático disso: um aluno que mora no Rio Grande do Sul deseja conhecer o Museu da República no Rio de Janeiro, importante instituição para entender a História da República Velha no Brasil. Em alguns casos, isso só é possível porque o museu está acessível de forma digital. Infelizmente, isso acaba não acontecendo porque nem sempre esses sites são inclusivos e acessíveis para pessoas com deficiência. Ser professor no Brasil significa lidar com inúmeros desafios e um deles é lutar pela inclusão e pela acessibilidade. Quando digo acessibilidade e inclusão me refiro a TODOS”, finaliza.

*Elza Maria Albuquerque é repórter do Movimento Web para Todos.

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