
Por Reinaldo Ferraz*
Nessa semana (de 10 a 14 de novembro de 2025) estou participando da Plenária Técnica do W3C Internacional em Kobe, no Japão. E por aqui em todo lugar se fala de “IA Agents” ou Agentes de IA. E isso tem um impacto enorme na acessibilidade digital.
Estou para escrever esse artigo há tempos, desde que li esse texto maravilhoso da Léonie Watson sobre os agentes de IA e acessibilidade. Eles são uma promessa incrível, que vão mudar totalmente a forma como navegamos. E por isso a acessibilidade digital é muito importante.
Para quem não sabe, os agentes de IA são recursos de inteligência artificial que vão executar tarefas complexas durante a nossa navegação. Esqueça a criação de imagens e tradução do ChatGPT e outros LLMs. O que estou falando é de interações complexas do agente com a interface de uma aplicação Web.
Os agentes de IA estão se espalhando pela rede, principalmente em navegadores. Existem algumas propostas para que sites tenham seu próprio agente de IA, mas a perspectiva é que os sistemas operacionais e navegadores sejam o principal foco.
O ChatGPT Atlas e o Perplexity são ótimos exemplos. São navegadores que tem um prompt que permite pedir ações para a inteligência artificial. Em um teste simples que o Diogo Cortiz me mostrou, ele conseguiu mandar uma mensagem direta no meu LinkeDIn apenas pedindo para a IA fazer isso. Ele também conseguiu se inscrever em um evento usando apenas o prompt do navegador. Parece assombração, já que você consegue acompanhar na tela o que está acontecendo. É algo promissor e que deve estar presente no nosso dia a dia nos próximos anos.
Mas e a acessibilidade?
Alguns acreditam que essa mágica que ela fez para o Diogo vai acontecer com a acessibilidade, que ela vai pegar uma página cheia de problemas e vai corrigir. Não é bem por aí.
Essas ferramentas tem um potencial enorme para ajustar problemas de acessibilidade em interfaces problemáticas. Podem ajustar cabeçalhos, informar campos obrigatórios e até descrever detalhadamente as imagens. Mas a que custo?
Os servidores que processam os pedidos do ChatGPT, por exemplo, necessitam de muita água para manterem uma temperatura adequada e não queimarem. Estima-se que o pedido para a criação de um e-mail com cem palavras gaste o equivalente a 500ml de água. É um custo alto que está sendo cobrado. Agora, imagine quando os agentes de IA dominarem o mercado?
Fazer as tarefas, como compras, solicitação de documentos ou mesmo dar um oi para um amigo na rede social demandam poder de processamento. E esse processamento custa dinheiro (e água). Se os agentes de IA tiverem ainda que arrumar um código com problemas de acessibilidade, a demora e o custo para executar essa tarefa será maior. E ele pode privilegiar uma aplicação mais robusta e acessível.
Outro fator importante é que talvez nem todos os agentes terão foco em ajustes de acessibilidade. Alguns serão específicos para isso ou terão componentes para esse ajuste. E dependendo da distribuição, pode ser mais caro usar um agente que tenha que ajustar a acessibilidade de uma página ou aplicativo.
Já existem conceitos para o desenvolvimento de aplicações “amigáveis para IA”, que permitem que o conteúdo seja acessado por mais facilidades pelos agentes de usuário dessas ferramentas. Isso vai de encontro com a acessibilidade digital, já que o conteúdo precisa ser simples e de fácil acesso, para que uma pessoa com deficiência que usa um agente de IA possa solicitar uma tarefa que será executada com muito mais facilidade.
Lembro das palestras do meu querido amigo e mentor em acessibilidade digital, o Horácio Soares, que em suas palestras lá em 2010 já falava como a acessibilidade beneficiava o “bilionário cego”, fazendo uma referência a facilidade de indexação de páginas acessíveis pelo Google. A analogia é a mesma para os LLMs e para os agentes de IA.
Além disso, os agentes de IA prometem ser ótimas ferramentas para a verificação de conformidade com acessibilidade. Desenvolvedores e gestores podem fazer uso desses recursos para testar sua aplicações e verificar se a aplicação está em conformidade com as boas práticas de acessibilidade, com as WCAG e as normas ABNT 17225 e 17060, além de fazer ajustes de código. Isso não descarta o profissional de acessibilidade. Pelo contrário. Esse profissional será importante para garantir que a acessibilidade está contemplada de verdade. Em tempos de alucinações de inteligência artificial, a revisão humana é fundamental.
Muita coisa ainda vai acontecer para esse cenário se concretizar. Questões de privacidade, segurança e até éticas ainda estão sendo debatidas em todo o mundo. Porém, pela velocidade das coisas não deve demorar para percebermos grandes mudanças no nosso acesso à Web.
Resumindo
Os agentes de IA estão chegando e vão mudar completamente a forma como navegamos na Web. Será um enorme avanço para a acessibilidade fazer uso desses recursos direto no navegador. Porém, isso não significa que as aplicações Web não devem mais seguir padrões de acessibilidade. Seu uso garante que os agentes consigam executar as tarefas de forma mais rápida e efetiva, para o benefício de todos os usuários. Uma aplicação sem acessibilidade será um problema também para os agentes de IA.
Vale lembrar que quando falamos em acessibilidade digital estamos falando sobre o acesso para pessoas. Por mais que deixemos nossa aplicação amigável para agentes de IA, elas serão ferramentas para entregar o resultado para uma pessoa. Se deixarmos de lado a acessibilidade que beneficia as pessoas, podemos estar perdendo um pouco da nossa humanidade.
* Este texto foi publicado no dia 12/11/25 no blog de Reinaldo Ferraz, especialista em acessibilidade digital no NIC.br e um dos embaixadores do Movimento Web para Todos.