Conheça a rotina de um analista de qualidade em acessibilidade digital


Foto de Diego Conceição de perfil e em primeiro plano. Ele é homem negro, tem olhos verdes e sorri. Está em uma praia em um dia ensolarado.

O mercado de trabalho que envolve o desenvolvimento de aplicações digitais acessíveis pode ser algo desconhecido para muitas pessoas. Apesar de ser garantida por lei, ainda existe uma carência de iniciativas das empresas para a implantação das diretrizes de acessibilidade digital como parte essencial no desenvolvimento de seus produtos e serviços.

Falta também visão de negócios, pois quando uma loja virtual está acessível, por exemplo, ela está apta a receber um número muito maior de potenciais clientes. O estudo mais recente do Movimento Web para Todos em parceria com a BigDataCorp, divulgado em junho deste ano, revelou que apenas 0,46% dos sites ativos brasileiros passaram nos testes de acessibilidade. É o pior resultado desde 2019. Dessa forma, os que estiverem acessíveis têm grandes chances de se sobressaírem em relação aos que não estão e de conquistarem a fidelidade de milhões de pessoas com deficiência.  

Profissionais que atuam como analistas de qualidade em acessibilidade digital agem diretamente neste ponto. Ou seja, trabalham em parceria com as equipes de desenvolvimento para garantir que qualquer tipo de canal digital esteja acessível a pessoas com os mais diversos tipos de deficiência.

Conversamos com o Diego Conceição para compreender um pouco mais sobre a profissão e seus processos. Ele tem grande experiência na área de análise de qualidade em acessibilidade digital, é integrante da Liga Voluntária e um dos embaixadores do Movimento Web para Todos.

Por mais de um ano, ele estudou a fundo os conceitos de desenvolvimento acessível, aprendeu a executar testes para garantir a qualidade em acessibilidade com essas validações. Além disso, ele também cursa História na Universidade Federal Fluminense.

Diego nasceu com glaucoma. A condição faz com que o olho acumule líquidos que pressionam o nervo óptico e, em muitos casos, leva à cegueira total, que é o seu caso. Ele percebeu que sua vivência como pessoa com deficiência visual pode ajudar muita gente que também lida com barreiras de acesso.

Acompanhe, a seguir, o bate-papo com o Diego e aprenda mais sobre essa profissão que tem sido cada vez mais valorizada pelo mercado.

WPT: Como é o trabalho de analistas de qualidade em acessibilidade digital?

Diego: Nosso trabalho tem algumas camadas de atuação. Participamos da implantação da cultura de acessibilidade nos times de desenvolvimento, o que engloba gerência de produtos, design, engenharia de softwares, equipe de testes funcionais e toda a estrutura que compõe a criação de um produto ou funcionalidade digital. 

Dentro da nossa rotina, estão incluídas palestras que explicam os conceitos básicos de acessibilidade, análise de telas criadas pela a equipe de UX (sigla de User Experience), alinhamentos para entender como a acessibilidade influencia nas regras de negócio e claro, os famosos testes de acessibilidade. 

Também é muito comum a produção de documentos que organizam a relação entre comportamento natural das tecnologias assistivas com os códigos. Assim, os times de engenharia podem ser mais assertivos ao desenvolverem funcionalidades robustas o suficiente para que todas as pessoas consigam ter acesso sem impedimentos.

WPT: Quais as habilidades exigidas para exercer essa profissão?

Diego: Acho que a principal habilidade é a empatia. Com ela muita coisa já é possível. Quanto à parte técnica, é necessário que a pessoa estude os conceitos de acessibilidade, os protocolos criados com a intenção de termos uma web mais acessível. Eu sempre uso como base as cartilhas de acessibilidade desenvolvidas pelo W3C, os critérios de acessibilidade da WCAG e outros documentos que norteiam a criação de produtos com acessibilidade. 

Hoje no mercado, existem bons cursos que dão conta de te tornar uma pessoa capacitada para trabalhar com acessibilidade. Um curso muito legal é o que o Instituto Socioesportivo ParAtleta (INSEP) fornece. Os preços são baixos e toda vez que você faz um curso lá e paga por ele, está contribuindo com os esportes paralímpicos. Também tem o curso que o Reinaldo Ferraz, especialista em desenvolvimento web do W3C Chapter São Paulo e do Ceweb.br|NIC.br, dá na PUC-SP sobre interfaces acessíveis. Este, na minha opinião, é um “divisor de águas” para pessoas que estão ingressando no mundo da acessibilidade digital.

WPT: Você executa seu trabalho sozinho ou em dupla? Qual é o papel de cada profissional no processo de análise de qualidade?

Diego: Os testes de acessibilidade são feitos em dupla. Porém, não atuo em dupla o tempo todo. Quando estou executando testes sim, a dupla é extremamente necessária.Enquanto eu executo testes voltados para o comportamento de sites e aplicativos com o uso da tecnologia assistiva que no meu caso é o leitor de telas, uma outra pessoa que chamamos de par visual, faz validações pertinentes a contraste, disposição das informações em tela, o comportamento das páginas quando aplicado zoom, navegação por teclado sem que o leitor de telas esteja ligado e validações com ferramentas que checam alguns outros impedimentos relacionados à navegabilidade. 

Quando estou em reuniões de alinhamento, esclarecimento de dúvidas, abordagem de regra de negócio e algumas outras, nem sempre estamos em dupla. É comum que enquanto estou num refinamento, por exemplo, a minha dupla esteja esclarecendo dúvidas do time.

WPT: O que é preciso fazer para ingressar e ter sucesso na carreira de analista de qualidade em acessibilidade digital?

Diego: O que eu costumo dizer é que acessibilidade e atualização “andam sempre de mãos dadas”. Se você é profissional de acessibilidade digital, não pode ter a certeza de que já conhece tudo. Tem que priorizar formações que te ajudem a ser alguém com perfil profissional mais completo e, claro, tem que entender que acessibilidade é sempre de pessoas para pessoas. Então, escutar o que o outro lado tem para te dizer é sempre um caminho feliz. 

Sobre o sucesso, aí são suas escolhas. É você quem vai dar o tom para a sua carreira. Os contatos que você faz, as iniciativas que leva para o seu time e o seu relacionamento com os problemas que irá enfrentar durante sua caminhada (e eles são numerosos!), é que dirão se você vai ter sucesso ou não. Um outro ponto que eu considero muito importante é o fato de espalhar o conhecimento que você acumulou sempre que possível. Isso fará com que um número maior de pessoas possa se beneficiar do maravilhoso mundo da acessibilidade.

WPT: Que mensagem você deixaria a quem tem interesse em seguir essa profissão?

Diego: Se você que está lendo minhas palavras nesse momento e deseja ingressar na área de acessibilidade, entenda que é um caminho com obstáculos. Dentro do seu time, você vai estar diante de pessoas que apoiam a causa da acessibilidade e também vai se deparar com quem pensa que isso pode ser postergado no projeto.

Cabe à você, usando como alicerce os conhecimentos que possui, aliados às regras estabelecidas na empresa em que você está trabalhando, fazer com que seu time também apoie a acessibilidade. Com o tempo, todo mundo estará pensando em acessibilidade de maneira espontânea.


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