Como projetar conteúdo web acessível para pessoas com deficiências cognitivas – Parte 2


Foto de duas mulheres digitando em computadores. Uma delas está em frente a três telas com códigos de programação.

Texto traduzido e adaptado por Cleid Eloy, Íngrid Oliveira, Jeniffer Deus, Lucas Aureliano e Robson Flores*

No artigo anterior, também produzido por especialistas da Web Accessibility In Mind (WebAIM), foi abordada uma série de conceitos e recomendações preliminares para incentivar as equipes de desenvolvimento web a considerarem também as pessoas com deficiências cognitivas em seus projetos digitais.

Nesta segunda parte, a organização destaca a importância de se estruturar a elaboração de especificações técnicas com base em fatores humanos, ou seja, do ponto de vista de pessoas usuárias.

Um exemplo mencionado no artigo sugere que “parece mais fácil para uma pessoa desenvolvedora considerar que alguém com deficiência visual “não vê”, do que lembrar todas as especificações técnicas necessárias para tornar uma página acessível para alguém com deficiência visual.”

A partir dessa perspectiva simples, quem desenvolve pode prosseguir com itens que fazem sentido para ela. Ao lembrar que a pessoa com deficiência visual não pode ver os elementos da página, ela é levada a perguntar se existem alternativas equivalentes para o conteúdo, como o uso do texto alternativo, e para a estrutura, com rótulos de formulário associados ou cabeçalhos de colunas e linhas associados em tabelas de dados.

Essa abordagem, de acordo com o Web AIM, está alinhada com as Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web (WCAG) do W3C, onde as especificações técnicas se concentram em conceitos-chaves como “perceptível” e “operável”. Essa macroestrutura acabará por reduzir a própria carga cognitiva das pessoas envolvidas no desenvolvimento de produtos digitais com relação às técnicas de acessibilidade e vai ajudá-las a incorporar a acessibilidade em sua prática.

Quem são as pessoas com deficiências cognitivas?

Pessoas com deficiências cognitivas representam o maior grupo de deficiência em todo o mundo. Existem quatro vezes mais pessoas com esse tipo de deficiência do que pessoas com deficiência visual. Isso se deve, em parte, ao fato de que várias deficiências distintas podem afetar a capacidade de um indivíduo de processar, acessar ou recordar informações e experiências de aprendizado. 

Devido à variedade de desafios semelhantes enfrentados por pessoas com deficiências cognitivas, muitos subgrupos são tipicamente alocados no abrangente grupo de “Deficiência Cognitiva”. Isso inclui pessoas que têm:

  • Deficiências de aprendizagem (como dislexia e disgrafia);
  • Transtornos de atenção (como TDAH);
  • Deficiências de desenvolvimento (como síndrome de Down, síndrome do X frágil, autismo e paralisia cerebral);
  • Deficiências neurológicas (como Alzheimer, traumatismo cranioencefálico, demência e Acidente Vascular Cerebral).

Um dos desafios neste grande grupo de deficiências é que as necessidades das pessoas são bastante diversas. É comum que pessoas com deficiências cognitivas apresentem déficits em uma área, mas demonstrem habilidades típicas, ou até avançadas, em outras.

Padrões emergem, contudo, ao tentar descrever as dificuldades que uma pessoa com deficiência cognitiva precisa superar. As palavras mais comuns usadas para descrever os problemas encontrados na Web por pessoas neste grupo incluem:

  • Percepção e processamento
  • Memória
  • Solução de problemas
  • Atenção

Percepção e processamento

Referem-se à capacidade de uma pessoa de identificar (ou seja, perceber) e integrar informações (por exemplo, visuais ou auditivas) em partes que façam sentido. 

Habilidades de leitura e escrita na web, por exemplo, são importantes, certo? Para pessoas com deficiências cognitivas é essencial que elas possam acessar e compreender letras, palavras escritas e frases, além de fornecer ou identificar uma resposta escrita quando requerido.

Podem surgir problemas na decodificação de palavras individuais, na compreensão de linguagem literal ou abstrata e na construção de respostas. Essas respostas podem ser digitadas ou selecionadas de menus suspensos.

Se quem desenvolve entendesse as implicações que uma pessoa  com deficiência cognitiva enfrentará ao perceber ou processar palavras e frases,  poderia dar mais atenção a aspectos técnicos como:

  • Utilizar linguagem mais clara e simples apropriada para o conteúdo;
  • Combinar gráficos com texto;
  • Permitir o aumento da fonte;
  • Fornecer contraste de texto;
  • Adicionar espaços em branco à página.

Memória

Refere-se à capacidade de uma pessoa de relembrar o que aprendeu ao longo do tempo. Qualquer pessoa possui uma memória de trabalho (ou seja, imediata), uma memória de curto prazo e uma memória de longo prazo.

Informações significativas são geralmente transferidas da memória imediata para a de curto prazo e, então, para armazenamentos na memória de longo prazo. Pessoas com deficiências cognitivas têm dificuldades com um, dois ou todos esses três tipos de memória. 

Quanto mais significativo for o conteúdo para as necessidades dessa pessoa, maiores são as chances de ele ser transferido para os armazenamentos funcionais de memória no cérebro. Algumas pessoas podem ter dificuldades de memória que prejudicam sua capacidade de lembrar como chegaram a um conteúdo no site e fora dele.

Essas pessoas se beneficiariam de várias considerações técnicas, incluindo:

  • Navegação consistente em todo o site e ao longo do tempo;
  • O uso de caminhos de navegação (“breadcrumbs”) óbvios; 
  • Uso consistente de estilo para denotar links de hipertexto, como um sublinhado azul.

Resolução de problemas

Algumas pessoas com deficiências cognitivas têm dificuldade em resolver problemas à medida que eles surgem. Em muitos casos, sua resiliência pode ser baixa e a frustração resultante é tanta que optam por sair do site e não persistir em resolver o problema. Alguns exemplos disso seriam a presença de um erro 404, um link quebrado ou um link que não as leva para onde pensavam que iriam.

Para algumas pessoas, os problemas associados ao movimento do mouse para uma área desejada na tela (por exemplo, devido a um problema de processamento visual) ou a dificuldade de clicar em uma área pequena são mais do que podem tolerar.

É uma boa ideia que equipes de design pensem nas diferentes maneiras pelas quais seus projetos podem ajudar a minimizar ou eliminar esses problemas, como verificando regularmente a validade dos links, garantindo o funcionamento correto dos formulários, evitando pop-ups e fornecendo mecanismos para responder perguntas ou oferecer suporte, quando necessário.

Atenção

Muitas pessoas têm dificuldade em concentrar sua atenção na tarefa que estão realizando. Distrações como textos rolando e ícones piscando podem tornar o ambiente virtual desafiador. Mesmo para pessoas típicas, a presença de itens que piscam e rolam ou múltiplos pop-ups pode ser irritante. Princípios de bom design recomendam limitar esses elementos apenas ao necessário para transmitir o conteúdo.

Considerações de design por dificuldade cognitiva

Para finalizar esse artigo, elaboramos uma tabela organizando recomendações específicas de design nas principais áreas que apresentam problemas comuns para pessoas com deficiências cognitivas (percepção e processamento, memória, resolução de problemas e atenção). 

Esperamos que, a partir desses ricos materiais  produzidos pela WebAIM, as equipes de desenvolvimento e design passem a considerar esse relevante grupo de pessoas com deficiência nas suas criações digitais.    

Recomendações de designPercepção e processamentoMemóriaResolução de problemasAtenção
Use a linguagem mais simples possível para o conteúdo (verifique os níveis de leitura com uma ferramenta automatizada).SimNãoNãoNão
Permita que o texto seja ampliado.SimNãoNãoSim
Associe ícones ou gráficos com o texto para que dicas contextuais estejam disponíveis.SimSimNãoNão
Evite textos rolantes (scrolling texts), pois aumentam a pressão para ler em velocidades pré-definidas.SimNãoNãoSim
Guarde o melhor contraste para itens que carregam conteúdo; permita que áreas de conteúdo não essenciais sejam suavizadas ou exibidas em tons pastéis.SimNãoNãoSim
Garanta que a pessoa possa personalizar a visualização com seus próprios estilos e desativar cores e imagens se desejado.SimNãoNãoNão
Evite elementos baseados em tempo (atualização automática, redirecionamentos, término de sessão) a menos que seja oferecida a opção de solicitar mais tempo.SimNãoNãoNão
Garanta que qualquer elemento acionável via mouse tenha uma área clicável suficientemente grande.NãoNãoSimNão
Utilize uma navegação consistente e previsível que seja uniforme em todo o site.NãoSimSimNão
Use métodos consistentes para indicar hiperlinks (por exemplo, texto sublinhado em azul) e faça-os descritivos (por exemplo, evite “clique aqui” e “mais”).NãoSimSimSim
Forneça demonstrações ou descrições em áudio sempre que possível.SimNãoSimSim
Providencie transcrições em texto para mídias com legendas, de forma que a pessoa possa revisitar conceitos dentro da narrativa.SimSimSimNão
Use caminhos de navegação (“breadcrumbs”) óbvios no seu design.SimSimSimSim
Use títulos descritivos e outras técnicas de organização (por exemplo, marcadores) para estruturar seu material.SimSimNãoNão
Garanta um amplo espaço em branco em seu design, em vez de condensar ou sobrecarregar as páginas com informações.SimNãoSimSim
Evite ícones animados ou piscantes, a menos que sejam necessários para o conteúdo.SimNãoNãoSim

*Texto traduzido e adaptado por Cleid Eloy, desenvolvedora front-end; Íngrid Oliveira, analista de sistemas e aplicações web; Jeniffer Deus, profissional da área de qualidade de software; Lucas Aureliano, analista de design inclusivo; e Robson Flores, publicitário. Estas pessoas integram a Liga Voluntária do Movimento Web para Todos.


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