Capacitismo: já conseguimos entender o que é?

Dentre as diversas formas deste tipo de preconceito, desde atitudes inconscientes até as barreiras estruturais, ainda precisamos de esclarecimentos e reflexões sobre como combater discriminações para uma sociedade mais inclusiva


Rapaz jovem sentado numa escadaria ao ar livre sorri enquanto mexe no celular. Ele apoia um dos cotovelos numa bola de basquete e à sua frente está uma cadeira de rodas esportiva.

Por Eli Maciel*

Capacitismo é a discriminação e o preconceito contra pessoas com deficiência. Esse comportamento se manifesta na ideia de que essas pessoas são menos capazes ou menos valiosas que as pessoas sem deficiência. A sociedade capacitista é aquela que não oferece as mesmas oportunidades, a mesma acessibilidade e o mesmo respeito para todas as pessoas, independentemente das suas capacidades físicas ou mentais.

E há grande engano por quem acredita – ainda – que o capacitismo é uma discriminação consciente. Este tipo de preconceito está tão enraizado na sociedade e nas individualidades que tendemos a crer que estamos fazendo o certo, quando na verdade estamos perpetuando estigmas. Isso pode acontecer em ações aparentemente bem-intencionadas, como ao tratar uma pessoa com deficiência de forma infantilizada ou assumir que ela precisa de ajuda sem sequer perguntar. 

O capacitismo inconsciente se manifesta em pequenas atitudes diárias, que acabam por reforçar a exclusão e o estereótipo de inferioridade. Combater esse preconceito exige não apenas uma mudança de atitude, mas uma reflexão profunda sobre as normas sociais que o sustentam – e mais: aceitar que cometemos esses erros, a fim de podermos corrigi-los.

Reflita sobre as suas próprias atitudes e pensamentos

Podemos não perceber, ou não entender a princípio, mas ao engajarmos com pessoas com deficiência, atitudes e comentários como “Você é uma inspiração” ou “Nem parece que você tem deficiência”, simplesmente por elas demonstrarem realizar tarefas cotidianas, podem parecer elogios. No entanto, reforçam a ideia de que as pessoas com deficiência são excepcionais apenas por viverem suas vidas – que é extremamente preconceituoso (mesmo que a intenção não seja).

Em espaços públicos, a falta de rampas, de banheiros adaptados, de acessos variados, a falta de sinalização geral e em braille e a ausência de intérpretes de Libras para atendimentos coletivos são exemplos substanciais de barreiras físicas e comunicacionais que excluem pessoas com deficiência. Isso também é uma forma de capacitismo, mas não tão velada assim.

Muitas vezes não percebemos que o capacitismo está embutido em nossas expectativas e suposições, como ao não considerar a acessibilidade de um evento, ou ao presumir que uma pessoa com deficiência não deseja ou não pode ter uma vida profissional plena e satisfatória, o que limita oportunidades.

Outro comportamento que muitas vezes parece inofensivo, mas não é, é o uso de expressões como “dar uma de João sem braço” (para designar alguém que se esquiva de uma responsabilidade), “você está surdo?” (quando a pessoa simplesmente não se atentou ao que foi dito), ou “você é retardado?” (quando alguém comete um erro ou age de forma inapropriada). Sem falar de terminologias datadas, como “deficiente”, “aleijado”, “portador de necessidades especiais” ao invés de, simplesmente, “pessoa com deficiência”.

E o que as pessoas com deficiência têm a dizer?

“Um dos locais onde mais consegui notar o capacitismo foi no ambiente de trabalho, quando nos dedicamos e investimos em nossas carreiras, procuramos ser o diferencial de mercado, construímos um mundo ideológico para nosso caminho profissional. Mas no final de tudo ainda temos que lidar com salários mais baixos, pouca oportunidade de crescimento, preconceitos na contratação, indiferença de gestores, entre outros comportamentos que muitas vezes desmotivam nossa permanência”, desabafa Diego Castro, consultor em diversidade, pessoa cega.

“Eu tenho paralisia cerebral e as pessoas se espantam ao saber como eu falo bem português e inglês. Elas dizem “nossa, você tem um vocabulário muito bom e muito rico!”, conta Nathalia Blagevitch, advogada e psicóloga, sobre a qualidade da sua oratória. Outra frase que Nathalia também ouve bastante é que ela é “tão linda, tão inteligente, fala tão bem, tem duas faculdades, mas pena que tem deficiência”.

Alexandre Ohkawa, arquiteto, traz uma outra perspectiva de mercado de trabalho: a da seleção por inteligência artificial. “Nas entrevistas de emprego, antes de você chegar pessoalmente, percebi que estou sendo filtrado por sistemas de inteligência artificial, e isso tem gerado algumas questões problemáticas. Muitos dos questionamentos não correspondem à minha área de atuação e são formulados para cargos de diretoria e executivos, que não se aplicam ao meu perfil. Além disso, algumas perguntas são capacitistas e descontextualizadas, pois parecem ter sido criadas para pessoas sem deficiência. As vivências de pessoas com deficiência são diferentes, e até as interpretações das perguntas podem variar.

Por exemplo, em uma das entrevistas, me perguntaram: ‘Você consegue falar no telefone?’. Essa é uma pergunta ofensiva e capacitista, especialmente quando se sabe que a pessoa é surda, como é o meu caso. Isso deixa claro que a busca é por uma pessoa com deficiência que, na verdade, ouve, ignorando a diversidade das experiências e capacidades das pessoas surdas. Já me perguntaram isso antes, e é evidente que há uma falta de consideração e entendimento sobre as necessidades e habilidades de pessoas com deficiência.

Esses filtros automáticos e perguntas padronizadas acabam excluindo talentos e limitando a diversidade no ambiente de trabalho. É essencial que as empresas adotem abordagens mais inclusivas e conscientes durante o processo de recrutamento, reconhecendo que as necessidades de candidatos com deficiência são diferentes e que seus métodos de comunicação e trabalho podem variar. A inclusão real começa com a compreensão de que a diversidade é um valor, não um obstáculo, e que todas as pessoas devem ter a oportunidade de demonstrar suas habilidades sem enfrentar barreiras capacitistas”.

Quer saber como podemos ajudar no combate ao capacitismo?

Educação e sensibilização

É fundamental educar a sociedade sobre o que é capacitismo e como ele se manifesta – afinal, milhões de pessoas no Brasil têm algum tipo de deficiência. Campanhas de conscientização, workshops e treinamentos em empresas e organizações podem ajudar a desmistificar preconceitos e promover a inclusão.

Legislação e políticas públicas

Fortalecer e implementar leis que garantam a acessibilidade e os direitos das pessoas com deficiência é crucial. Isso inclui desde a construção de infraestruturas acessíveis até a promoção de políticas de inclusão no mercado de trabalho.

Conheça a lei

A Lei Brasileira de Inclusão (LBI, 13.146) define a discriminação e o preconceito (que são crimes) não exclusivamente no caso de ações, mas também em casos de omissões – sendo a falta de acessibilidade uma delas. 

Mudança de atitudes

Encorajar uma mudança de atitude em relação às pessoas com deficiência é essencial. Isso inclui tratá-las com respeito e dignidade, sem infantilizá-las ou superestimá-las, perguntando sempre que tiver dúvidas e sem ter ‘pena’! Presumir que uma pessoa com deficiência está numa posição inferior à sua é uma das formas de capacitismo. Procure ler mais a respeito do tema.

Participação ativa das pessoas com deficiência – “nada sobre nós sem nós”

As pessoas com deficiência devem ser incluídas nas discussões e decisões sobre questões que as afetam. A presença delas é crucial para a criação de soluções eficazes e no combate a preconceitos e discriminações.

Inclusão ativa

Garantir a inclusão em todos os aspectos da sociedade, desde o design de espaços até a criação de políticas e práticas empresariais para superar barreiras e promover igualdade.

Eliminação de vieses inconscientes

Desenvolver a habilidade de identificar e eliminar vieses inconscientes é fundamental. Isso envolve questionar preconceitos internalizados, adotar uma mentalidade mais inclusiva e multiplicar todos os conhecimentos com quem está ao redor.

Capacitismo é um preconceito enraizado e, ao reconhecer e enfrentar esse tipo de violência (sim, é uma violência!), podemos evoluir e construir uma sociedade mais justa e inclusiva para todas as pessoas.

Para ler, assistir e seguir

  1. Manual Anticapacitista, Carolina Ignarra e Billy Saga (livro)
  2. Billy Saga: https://www.instagram.com/billysaga/ 
  3. Carolina Ignarra: https://www.instagram.com/carolinaignarra/ 
  4. Ivan Baron: https://www.instagram.com/ivanbaron/ 
  5. Guia Anticapacitista, Ivan Baron (e-book)
  6. Crip Camp (documentário – Netflix)
  7. Mariana Torquato: https://www.instagram.com/marianatorquato/ 
  8. Alex Duarte: https://www.instagram.com/alexduarteoficial/ 
  9. Site Santa Causa: https://stacausa.com.br/ 
  10. Maria Paula Vieira: https://www.instagram.com/maaria_vieira/ 
  11. Movimento Down: https://www.movimentodown.org.br/ 
  12. Canal Inclunet: https://www.youtube.com/c/inclunet 
  13. Histórias de Cego: https://www.youtube.com/channel/UCIlhwna7NBxku-ER3vj7Drg 
  14. Gustavo Torniero: https://www.instagram.com/torniero/ 

*Eli Maciel é gestora de pessoas e projetos de comunicação digital e faz parte da Liga Voluntária do Movimento Web para Todos.


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