Tecnologia: um meio de gerar empatia assistiva



Foto da Débora ao lado do David sorrindo. Eles estão em pé, segurando bonecos com logos das Paralimpíadas 2016.
Débora e David durante as Paralimpíadas 2016. Foto: Arquivo pessoal.

Artigo por Débora Goldzveig*

O meu irmão David nasceu com Síndrome de Down. Ele começou a ter aulas de informática aos 22 anos, ganhou um celular aos 23 e criamos o seu perfil no Facebook aos 24 anos, aproximadamente. Fizemos isso como um estímulo gradativo ao uso da tecnologia a fim de incentivar o desenvolvimento cognitivo e psicossocial dele.

Hoje, aos 26 anos, alfabetizado, ele utiliza o WhatsApp com certa resistência. Prefere se comunicar por meio de emojis que expressam sentimentos, comemorações, objetos, alimentos, mas não gosta de escrever ou gravar áudios. Ele tem certa preguiça para digitar e até mesmo entender os atalhos para compartilhar imagens ou gravar vídeos. Acredito que a acessibilidade dos botões no celular também não é ideal.

Mais do que carinhas fofas, os emojis têm sido muito utilizados na representação de diferentes etnias, religiões e estilos. Para representarmos nossas emoções. Precisamos sentir identificação. A tecnologia tem ajudado muito nesse quesito.

Um exemplo disso são os novos emojis de acessibilidade criados pela Apple, como cão-guia, cão de serviços, aparelho auditivo, surdos, próteses, pessoas cegas com bengala e pessoas cadeirantes. Serão 13 novos emojis, em 45 versões, entre opções para homens e mulheres de diferentes tons de pele.

Apesar da polêmica da real identificação imagética e estigmatização das pessoas com Síndrome de Down, gerada pela criação dos Inclumojis (idealizados pela APAE e APBB), eles contribuem com a integração e ampliam a visão social para as conquistas de direitos das pessoas com deficiência. Vide parceria realizada pelo Burger King, que produziu os Inclumojis de pelúcia. É uma forma de promover empatia à causa da inclusão.

Por outro lado, quando falamos em acessibilidade tecnológica, Rafael percebe que o seu irmão Daniel (que têm deficiência intelectual) não tem muita paciência de ficar sentado em frente ao computador.

“Entendo que ele prefira falar pessoalmente ou por telefone com os amigos do que frequentar as redes sociais ou postar fotos. A grande questão é que o Dani sempre teve dificuldade de manter uma linha de raciocínio durante muito tempo e isso acaba afetando diretamente a sua dinâmica de uso da internet ou redes sociais. Ele tem perfil no Facebook, mas raramente entra. Quando faz isso, verifica as notificações e fica pouco tempo. Acho que, por ter que clicar ou entrar em outra abas, acaba se complicando em fazer isso e fica de saco cheio de ficar olhando a tela”, disse Rafael.

Acredito que falte uma comunicação mais visual e interativa até mesmo no buscador do Google e em outras plataformas de pesquisa, como textos falados, para identificação de onde está o conteúdo. Encontrar as novas abas que se abrem em apenas um clique, pop-ups, vídeos, imagens misturadas…é muita informação e o cérebro acaba não retendo a essência do que buscamos. Essa adaptação requer uma plasticidade cerebral que precisa ser constantemente exercitada por todos, independente da idade ou de ter um diagnóstico de PCD.

Uma sugestão simples seria ter abas ilustradas, com ícones que representam temas como esporte, desenhos e, dentro deles, suas modalidades. Assim como existe o Kiddle (Google para crianças), por que não adaptar um sistema de busca para uma pessoa com deficiência intelectual? Algo mais imagético seria uma opção.

Nós, do Projeto Irmãos, procuramos incentivar o uso da tecnologia com nossos irmãos PCDIs sempre visando o desenvolvimento e a autonomia, nunca a comodidade de ter uma “desculpa” para entretê-los por um longo período. A Apple tem sido grande parceira nossa na missão do protagonismo, oferecendo cursos gratuitos de capacitação que estimulam composição de músicas, contagem e raciocínio lógico, trabalho com fotografias e softwares de imagem que estimulam a criatividade.

Nesse curso, por exemplo, o WhatsApp serviu de ferramenta de inclusão para Felipe (40 anos, Síndrome de Down), que utilizava o celular apenas para fazer ligações. Percebendo a desenvoltura do irmão, Lilian deu um celular novo para ele que começou a usar o aplicativo para participar do grupo com amigos do curso! Esse é um grande exemplo de impacto de socialização a nível familiar e relacionamento social.

O ambiente virtual permite uma manifestação atemporal, que vai além da deficiência. É uma linguagem binária, que nivela todos igualmente. Na “matrix” podemos voar, sem pedir permissão. Somos todos livres para retratar nossa essência. Tudo isso sem precisar pedir para sermos aceitos.

Se podemos nos comunicar de forma igual, muitas vezes sem saber quem está do outro lado da tela, por que muitas vezes ficamos aprisionados em nossos julgamentos estéticos ou pré-julgamentos intelectuais? A tecnologia nos permite enxergar o potencial do outro, muito mais em sua real essência.

Ao contrário do Rafael, Mariana, irmã do Victor, que tem Transtorno do Espectro Autista, de 17 anos, diz que ele costuma jogar e assistir shows, desenhos e séries no YouTube. Ela já enxerga diferente, acha que os mecanismos do computador/tablet e afins são bem fáceis e intuitivos.

“Meu irmão tem 17 anos, mas o raciocínio dele é de uma criança ainda. Ele também tem graves problemas de fala. No computador, adora assistir vídeos de desenhos educativos. Eles costumam estimulá-lo tanto na fala quanto na escrita, além de contribuir muito com o repertório musical, de cinema, curiosidades sobre lugares e animais. Os vídeos e os jogos da web acabam servindo de fomento cultural. O Victor consegue se virar sozinho hoje em dia, sem a minha ajuda. Meu próximo passo com ele é inserir o celular. Ele não curte muito. Gostaria que aprendesse a ligar para as pessoas ou se comunicar por meio do WhatsApp. Por enquanto, ainda não é viável”, conta Mariana.

Por outro lado, David, meu irmão, consegue fazer ligações. Acredito que ele se guie mais pelas fotos das pessoas para clicar no botão verde e iniciar chamadas. E, mesmo assim, é um processo. Para ele desligar, fiz um trabalho de repetir diversas vezes que apertasse o botão vermelho. Caso contrário, ele não tomaria a iniciativa de desligar sozinho. São pequenos detalhes, mas que fazem a diferença nesse impulso.

Fico pensando também em como ele agiria em uma situação de emergência. Será que conseguiria equilibrar a razão e a emoção para pedir ajuda à pessoa certa? Geralmente o celular dele fica em casa, em uma base no carregador. Ele não tem estímulo para levá-lo aos passeios de socialização, tirar fotos e compartilhar com amigos. Às vezes, demora um tempão para me sentir parte desse cotidiano, pois não moro mais com ele e meu pais.

Outro exemplo é do Claudio Aleoni Arruda, irmão da Caroline. Ele utiliza o Power Point para fazer a apresentação de suas palestras às empresas. Elas são todas preparadas e têm o acompanhamento de sua mãe, Lisabeth.

Essa é mais uma visão holística da família no incentivo à correlação dos fatos e das informações. A tecnologia está aí para fomentar essas pontes de relacionamento e trazer dinamismo!

Precisamos exercitar diariamente essa visão de impacto geral, em que o fato da pessoa com deficiência exercer escolhas e entender consequências, nos mínimos atos, impacta diretamente na sua construção de identidade. Proporciona autoestima, ajuda na resolução de conflitos, desenvolve a coordenação motora e neurolinguística.

Dito isso, afinal de contas, qual é o nosso dress code para esse tema? Que ótica queremos dar? Estamos contribuindo com a tecnologia assistiva ou ajuda técnica para identificar todo e qualquer recurso que facilita ou amplia habilidades de uma pessoa com deficiência? Tecnologias essas que podem ser usadas tanto para a mobilidade quanto para acessar uma informação. Exemplos: uma bengala para um cego se deslocar melhor ou um software com leitor de tela para que ele possa acessar um conteúdo virtual.

Contribuir com esse entendimento holístico a nível familiar e profissional é entender que nós, como irmãos, temos o poder de ser embaixadores da inclusão, no sentido em garantir a acessibilidade a nível digital e físico, para todas as pessoas que dela necessitam. Seja como líderes de empresas, frequentadores e/ou organizadores de eventos, pais e mães, parceiros institucionais, e/ou na militância pelas políticas públicas.

A acessibilidade é atitudinal. Ser acessível é mudança de mentalidade. É repensar as atitudes a cada dia. Reavaliar se somos acessíveis em nossas relações. Um exemplo prático disso é a relação do André, Síndrome de Down, com 15 anos e sua irmã Caroline, de 33.

Certo dia ele estava utilizando o YouTube para assistir uma dançarina de funk no navegador da internet. Quando a irmã ouviu o barulho, logo foi ao quarto dele para dar uma espiadinha. Ele rapidamente fechou o Google Chrome correndo e abriu o YouTube, fingindo que estava vendo desenho animado. André achava que apenas por ali seria possível ver o histórico de buscas.

A agilidade de pensamento e o medo de compartilhar da parte dele demandou uma empatia extrema da irmã. Essa que se colou no lugar dele dizendo que eram amigos, que havia espaço para diálogo e que não precisava ter medo de dizer a verdade. Essas são necessidades que vão além de um clique. Uma delicadeza que, se não houvesse, poderia tê-lo bloqueado de forma a não querer mais usar o tablet, provocando outros bloqueios subsequentes.

Vale lembrar que essa empatia é necessária quando pensamos nas necessidades de irmãos com outras deficiências como a visual: caracteres ampliados, linguagem escrita e oral, dispositivos multimídia, sistemas auditivos e os meios de voz digitalizados ou mesmo outros tipos de transtornos mentais.

Exercer esse outro olhar faz uma diferença enorme na descoberta da melhor forma de transmitir uma mensagem, seja para pessoa com ou sem deficiência. Muitas vezes, os efeitos visuais e sonoros podem gerar emoções de difícil interpretação e acabamos nos perdendo no conteúdo que queremos transmitir.

Não gerar conteúdos e plataformas acessíveis é o mesmo que comer algo sem sentir o gosto, a textura, o aroma. Você não absorve aquele conteúdo. Não retém o significado na memória e acaba tendo um efeito contrário que pode até prejudicar o objetivo da instituição.

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*Débora Goldzveig é formada em Propaganda e Marketing, tem MBA em Gestão de Mercados com ênfase em Inteligência de Mercados e pós graduada em Inovação Social. Apaixonada por diversidade e relações humanas, criou, em 2014, o Projeto Irmãos, que traz o olhar para irmãos de pessoas com deficiência intelectual. “Acredito que ao enxergarmos o real potencial do outro, sem julgamentos, construímos novos elos de transformação.”

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