“Se a web não for acessível, nós ficamos sem outras alternativas”



Leandro Pólito está em pé, sorrindo, ao lado de um painel com o nome Google. Ele faz sinal de positivo com uma das mãos.
Leandro Pólito. Foto: Arquivo pessoal.

Por Elsa Villon*

Aos 10 anos de idade, é comum que nossas preocupações sejam simples: não chegar atrasado às aulas, ser o primeiro escolhido no time de futebol, mudar de escola. Para Leandro Pólito, também era assim. Mas sua rotina mudou após o diagnóstico de retinose pigmentar, doença degenerativa que ataca os cromossomos dos olhos: “Recebi a notícia aos 10 anos de idade com o meu irmão mais velho, que também perdeu parte da visão”.

Ao contrário da obra literária de José Saramago, que descreve uma cegueira leitosa e repentina, a perda de visão dos irmãos Pólito foi gradativa, com adaptações dia após dia.

Hoje com 35 anos, Leandro tem baixa visão, mas não sabe dizer se sua visão era 100%, mesmo antes de descobrir a doença. Atualmente, ele é Sourcing Manager e Embaixador de Diversidade do Google.

As complexidades aumentaram conforme a visão diminuía, e logo as primeiras barreiras de acessibilidade surgiram. “Na escola, eu tinha algumas dificuldades. Precisava pedir a prova ampliada. Também pegava caderno emprestado de amigos para tirar cópias e estudar em casa. Eu ia todo dia para a escola apenas para ouvir. Foi a maneira que eu encontrei para poder estudar – usando mais a audição do que a visão”, conta.

Ele relembra que, ainda na época de escola, havia muito preconceito e nenhuma consciência. Isso acabava exigindo que ele tivesse muita paciência e autocontrole. “Tinha brincadeiras de mau gosto, e eu precisava ser forte para levantar e ir estudar, me segurar para não brigar. As pessoas, de maneira geral, já não gostam muito de estudar. Imagine então em um ambiente hostil e despreparado.”

Com o passar do tempo, ele entendeu que algumas coisas não seriam possíveis por conta da baixa visão: “Tive que me adaptar e acostumar com a ideia de que não poderia tirar a carteira de habilitação ao completar 18 anos. Já tinha essa consciência de que não seria igual aos outros”. Mas estudar não era uma delas e assim ele prestou vestibular, se formou e seguiu até a pós-graduação.

Graças ao avanço da tecnologia, já era possível acessar o conteúdo das aulas e até mesmo das provas. Mas havia outra grande barreira: a atitudinal. Enquanto alguns professores eram compreensivos, outros nem tanto, principalmente na faculdade. Leandro lembra que durante a graduação, ele e o irmão estudavam na mesma instituição. Um dia, o diretor questionou o porquê dos dois continuarem estudando, considerando a deficiência visual.

Para ele, a maior barreira de acessibilidade é o ser humano, por sua complexidade. “Ele tanto pode ajudar quanto prejudicar. Por mais independente que uma pessoa com deficiência seja, ela precisa de um ser humano – assim como ocorre com pessoas sem deficiência”,  afirma. Além disso, ele destaca o preconceito e a falta de informação como grandes barreiras para a inclusão.

Se a trajetória escolar foi difícil por conta das barreiras, ele destaca que o apoio da família em todas as etapas: “Eu e meu irmão sempre tivemos o apoio dos nossos pais para que nunca desistíssemos dos nossos objetivos”.

Barreiras físicas e digitais

Imagine a situação: o feriado do carnaval está em vista. A ideia é uma viagem nacional, e Paraty é o destino escolhido. Conhecida pela FLIP – Feira Literária Internacional de Paraty, a cidade fluminense chama atenção por sua arquitetura colonial, tombada como patrimônio. Além, é claro, de suas ruas de paralelepípedos e ladeiras.

Foi esse o roteiro turístico de Leandro, que constatou: o destino histórico não conta com acessibilidade arquitetônica, seja para videntes, pessoas com baixa visão, cegas, cadeirantes ou com mobilidade reduzida. E questiona: “Como uma cidade tombada e turística não oferece trajetos acessíveis? É uma questão vergonhosa! Há maneiras de torná-la acessível”.

Mas não só a turística Paraty é inacessível: São Paulo também precisa avançar: “Uma das maiores cidades do mundo também conta com muitos lugares sem acessibilidade arquitetônica, inclusive em bairros de regiões nobres”.

No mundo digital, as dificuldades são outras. Características como o contraste ou fundos muito claros podem prejudicar a navegação de Leandro e de usuários com diferentes tipos de deficiência visual, como o daltonismo, por exemplo. Há softwares capazes de alterar as cores para facilitar a visualização, além de programas leitores de tela.

Figuras também podem se tornar inacessíveis caso tenham muita informação escrita. “Se o site estiver acessível, o software vai ler. Caso contrário, é muito cansativo”, desabafa. Outro ponto importante é a arquitetura da informação dos sites e aplicativos. Se as áreas são fáceis de localizar, a navegação é intuitiva.

Em sites de compras, o tempo para finalizar o pedido é um grande obstáculo para Leandro:

“Se você não finalizar a compra, a página irá expirar. isso é um absurdo para quem tem uma deficiência visual. É óbvio que vamos levar mais tempo para preencher. Já perdi muitos shows por conta disso. Ao ir reclamar, o atendimento é ineficaz, não atende a sua demanda, diz que já estão esgotados. Você está comprando. E não pedindo nada”.

Sites de companhias aéreas também podem ser excludentes para pessoas com deficiência visual, não apenas por conta da finalização da compra, mas também pela precisão de dados: “Se preencho rápido, qualquer erro pode complicar a emissão de um bilhete de viagem. Se o tempo expira e a página sai do ar, o valor da passagem aumenta. É uma falta de respeito com a pessoa com deficiência”, afirma.

Mais inclusão

Mas nem tudo é retrocesso e exclusão: a tecnologia pode facilitar – e muito – o cotidiano das pessoas. No caso de Leandro, o internet banking e o uso de cartões de créditos possibilitaram uma grande autonomia: “A tecnologia vem para melhorar muito e ajudar a tornar um mundo ideal”.

Usuário recorrente de carros compartilhados, ele destaca que diversas empresas de mobilidade têm aplicativos bastante acessíveis, mas que estão longe do ideal: “Algumas não informam quanto tempo demora para o carro chegar. Isso é uma dor de cabeça diária para encontrar o carro, mas você acaba acostumando”.

E se por um lado a tecnologia avança para opções em touchscreen, por outro, pode ser uma barreira de acessibilidade para Leandro. “As máquinas de cartão de crédito, com teclado numérico, eram acessíveis. Hoje, todas são por toque, sem uma referência tátil para os números”, lamenta, destacando que muitas vezes precisa passar a senha para motoristas efetuarem o pagamento. “A minha sorte foi só ter encontrado pessoas honestas”, destaca.

Idas aos supermercados também podem se tornar um grande desafio, considerando a falta de estrutura dos estabelecimentos para atender ao público com deficiência. As barreiras vão desde as indicações de corredores, passando por preços na prateleiras e até os próprios produtos oferecidos. Para Leandro, a solução mais autônoma é fazer compras pela internet, desde que o site ou o aplicativo seja digitalmente acessível.

O embaixador do Google dá dicas de como pessoas sem deficiência podem contribuir para construir uma web e uma sociedade mais inclusiva: tentar sempre se colocar na posição de uma pessoa com deficiência. “Coloque uma venda nos olhos para saber se o que você está desenvolvendo é acessível. Teste com pessoas com deficiência para que elas possam direcionar melhorias, pois pessoas sem deficiência não têm a mesma percepção”, recomenda.

Por fim, destaca a importância de ações como o Movimento Web para Todos, que promoveu um Hackathon de Acessibilidade no Google em fevereiro deste ano: “Considerando todas as dificuldades enfrentadas por barreiras arquitetônicas, nossa solução é a internet. Movimentos como o WPT contribuem para tornar a web mais acessível, e esse trabalho é incrível. Cabe também às empresas que engajem seus colaboradores e clientes na causa da acessibilidade. Sem essas empresas, não é possível encontrar uma solução”.

*Elsa Villon é repórter.

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