Mara Gabrilli fala sobre os avanços da Lei Brasileira de Inclusão

Entre desafios e benefícios, qual é o impacto dela na vida de todos nós?


Foto da Mara Gabrilli. Ela é branca, com cabelos longos e claros e está sorrindo, sentada.
Deputada federal Mara Gabrilli. Foto: Alexssandro Loyola

Em janeiro deste ano, o Estatuto da Pessoa com Deficiência ou a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), Lei nº 13.146/15, completou dois anos em vigor. Entre desafios e benefícios, qual é o impacto dela na vida de todos nós?

Para um panorama sobre o tema, conversamos com a deputada federal Mara Gabrilli, relatora da LBI. Na época da concepção, a lei contou com um processo de construção coletiva, tendo como base a Convenção da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência. O projeto, disponibilizado com o lema “Nada sobre nós sem nós”, teve a colaboração da sociedade civil por meio de consultas públicas, audiências, análises de grupos técnicos e relatorias legislativas.

Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:

Web para Todos: A Lei Brasileira de Inclusão (LBI) completou dois anos em vigor. Nesse tempo, quais foram os principais avanços observados?
Mara Gabrilli: A LBI foi construída como uma forma de regulamentar o texto da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que era pouco conhecida no Brasil. Hoje, os gestores de todo o Brasil têm, além de uma legislação a cumprir, um norte para trabalhar políticas públicas inclusivas. É um texto completo, objetivo e simples, para se colocar muitos direitos em prática. Não há mais desculpas para não se cumprir determinado direito por falta de diretriz jurídica.

Além disso, o texto já vem sendo amplamente utilizado por juízes e desembargadores no dia a dia dos tribunais. A Justiça brasileira possui agora uma lei na qual se amparar para garantir os direitos mais diversos da pessoa com deficiência.

Temos uma legislação que caminha com os tempos de hoje, que é exequível e também educativa ao Poder Público, que vem se movimentando para adequar espaços e serviços a esse novo paradigma que a Lei traz. Hoje, se você procurar por uma escola para matricular seu filho com deficiência, a instituição estará ciente de que pode ser multada caso recuse a matrícula. O mesmo vale para editoras de livros, por exemplo, que devem oferecer a versão acessível de todos os seus títulos. Essa proteção ocorre em várias outras frentes da Lei.

Esse movimento vem ocorrendo tanto na esfera pública, quanto na privada. Temos hoje uma legislação tão grandiosa quanto a luta da pessoa com deficiência.

Web para Todos: Quais são as áreas sociais mais impactadas positivamente?
Mara: Com certeza as áreas de saúde e educação. Na primeira, por exemplo, as operadoras de planos e seguros privados de saúde têm a obrigação de garantir à pessoa com deficiência, no mínimo, todos os serviços e produtos ofertados aos demais clientes. Além disso, essas empresas ficam proibidas de recusar pacientes com deficiência ou cobrar a mais deste público. Isto já está em vigor e os juízes têm aplicado a LBI para fazer valer esses direitos quando há o descumprimento por parte dos planos de saúde. O mesmo movimento vem ocorrendo nas escolas, que em hipótese alguma podem cobrar a mais ou recusar a matrícula de um aluno com deficiência, prática que, infelizmente, ainda é recorrente no Brasil. Temos recebido relatos de mães que têm denunciado as instituições e a justiça vem sendo feita.

Claro que o ideal seria o cumprimento da Lei, sem interferência da Justiça, mas o mais importante é que aos poucos as escolas vêm se adequando.

Web para Todos: Como a Lei colabora no âmbito da acessibilidade digital? Quais foram os avanços especificamente nessa área?
Mara: Eu diria que esse processo começou alguns anos antes, quando colocamos uma emenda no texto do Marco Civil da Internet, garantindo a acessibilidade como direito a todos os usuários no acesso à internet. A LBI veio reforçar essa ideia. De acordo com seu artigo 63, é obrigatória a acessibilidade nos sítios da internet mantidos por empresas com sede ou representação comercial no País ou por órgãos de governo, conforme as melhores práticas e diretrizes de acessibilidade adotadas Entre desafios e benefícios, qual é o impacto dela na vida de todos nós?internacionalmente. Isso significa que toda pessoa com deficiência, seja física, auditiva, visual, intelectual ou múltipla, deve ter o direito de navegar na rede sem barreiras.

A lei ainda prevê que os telecentros comunitários que receberem recursos públicos federais para seu custeio ou sua instalação e lan houses devem possuir equipamentos e instalações acessíveis. Esses estabelecimentos ainda devem garantir, no mínimo, 10% de seus computadores com recursos de acessibilidade para pessoa com deficiência visual, sendo assegurado pelo menos um equipamento, quando o resultado do percentual for inferior a um.

Web para Todos: Existe hoje uma fiscalização rigorosa em relação ao descumprimento da Lei? 
Mara: A fiscalização pode ser feita por cada um de nós. Cada artigo da Lei que for descumprido deve ser denunciado, seja às prefeituras, ao Ministério Público, até mesmo ao meu gabinete. Além disso, a ideia é ter os tribunais de conta como grandes parceiros da LBI. Uma das novidades é que o gestor público que não cumpri-la poderá ter as contas rejeitadas pelo tribunal de contas, o que incorre em improbidade administrativa, podendo gerar multa e suspensão dos direitos políticos.

Web para Todos: Podemos esperar alguma novidade e melhoria neste ano?
Mara: A grande expectativa para este ano é a conclusão do instrumento que vai orientar os trabalhos em relação ao novo conceito de deficiência, que é o mesmo da Convenção da ONU. A deficiência passa a ser vista não mais como uma simples característica da pessoa, mas sim como fruto da interação dessa pessoa com o meio ambiente no qual ela vive e trabalha. Nesse sentido, uma pessoa com dificuldade de locomoção que more em uma comunidade com relevo prejudicado, por exemplo, pode ter uma deficiência considerada mais grave que a minha, que sou tetraplégica.

O Governo Federal contratou a Universidade de Brasília, que está concluindo esse instrumento e aguardamos tudo isso com muita expectativa.

Por outro lado, a LBI traz alguns itens que entram em vigor em 2018, como é o caso do artigo 45, que prevê que os hotéis, pousadas e similares devem ser construídos observando-se os princípios do desenho universal; os estabelecimentos já existentes deverão disponibilizar, pelo menos, 10% de seus dormitórios acessíveis, garantida, no mínimo, uma unidade acessível. No entanto, ainda aguardamos o Decreto, elaborado pelo Governo, que vai regulamentar a lei.

Web para Todos: Como cada um pode colaborar para uma internet mais inclusiva e acessível? E como podem colaborar para que a LBI seja aplicada?
Mara: A expressão “acessibilidade na web” ainda é muito recente e de pouco conhecimento. Nesse momento, a maior colaboração é por meio da divulgação da informação, da produção de conhecimento e até mesmo da definição dos padrões internacionais do que é acessibilidade na web. Quanto mais difundirmos esse conceito, mais acesso e inclusão teremos.


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