Por Elsa Villon*
A música sempre fez parte da vida de Nelson Azambuja Jr., que desde os seis anos de idade já tocava algum instrumento. Piano, violoncelo, violão, guitarra: não importava. Se desse para compor uma melodia, lá estaria o músico, fisgado principalmente pelo rock.
Tudo isso mudou drasticamente aos 29 anos, quando adquiriu uma doença raríssima que provoca a perda total da audição. Nono caso diagnosticado, Nelson passou dois meses internado e, em três dias, ficou completamente surdo.
“Fiquei 20 meses sem escutar absolutamente nada. Antes de fazer o primeiro implante coclear, a leitura labial era a única forma para eu me comunicar, e foi um período difícil para mim”, conta. Mesmo assim, a leitura labial é feita, prioritariamente, ao vivo, e depende da dicção do interlocutor. Também só é possível conversar com uma pessoa de cada vez, além de fatores como pouca luz ou visibilidade comprometida em algum ambiente dificultarem a prática.
Além da perda de autonomia, a surdez repentina poderia ser o fim de uma carreira musical. Mas não foi assim para Nelson. Formado em Ciências da Computação, ele trabalha há seis anos como especialista de marcas no Google e, graças a um implante coclear, é também baterista.
O implante coclear (IC) é um dispositivo eletrônico utilizado por pessoas com deficiência auditiva severa ou profunda, capaz de transformar sons em estímulos elétricos enviados diretamente ao nervo auditivo.
Graças ao IC, parte da autonomia do músico foi recuperada, mas ainda há desafios como ambientes ruidosos, pessoas falando ao mesmo tempo, telefone e videoconferências, assim como a compreensão de algumas melodias e o simples ato de ouvir músicas.
A recuperação da autonomia não ocorreu só pelo uso do implante coclear, mas também à sua relação entre Nelson e o som. Ele afirma que a audição recuperada está longe de ser como a natural, mas essa experiência varia muito de pessoa para pessoa. A causa e o tipo de surdez devem ser levados em conta, assim como o tempo antes da realização do procedimento.
“No meu caso, que escutei normalmente durante 29 anos, tendo sido músico e com uma audição privilegiada, não posso deixar de comparar o antes com o depois. Seja como for, depois de uma década como usuário, hoje em dia minha comunicação cotidiana é quase 100%. As dificuldades aparecem em situações menos tradicionais, em especial em ambientes com muito ruído de fundo. Restaurantes, bares, shoppings, eventos em auditórios lotados prejudicam muito meu entendimento”, destaca.
Ele também conta que é natural ocorrer o isolamento para evitar frustrações na comunicação, mas tudo é uma questão de adaptação e mudança de hábitos.
Barreiras no mundo digital
Além da música, a surdez encontra barreiras em outra grande paixão de Nelson: videogames. Aficionado por jogos, uma das principais questões é a falta de legendas para diálogos e transições cinematográficas – as cut-scenes.
Sua primeira experiência com o jogo é determinante: ele procura opções de sons, volumes de música e de efeitos sonoros, além das legendas: “Não há nada mais frustrante do que ter que jogar um game sem conseguir entender direito a história e os diálogos por conta da falta de legendas. Isso estraga completamente a experiência”.
Em relação às barreiras digitais em sites e aplicativos, as dificuldades são menores, exceto com vídeos: “Em um mundo que, cada vez mais se direciona para vídeos, às vezes quando procuro por algum tutorial simples, encontro um conteúdo sem legendas. Isso é realmente um problema”.
Nelson relembra também que nem todas as pessoas com deficiência auditiva preferem legendas. É preciso levar em conta os surdos sinalizados, que não foram oralizados na Língua Portuguesa e utilizam Libras (Língua Brasileira de Sinais) para se comunicar. Para promover a inclusão dessa população, também é necessário incluir a janela de Libras.
Diversidade auditiva
Funcionário de uma das maiores empresas do mundo, Nelson defende o princípio da empatia para profissionais de canais digitais: “É estar ciente das grandes diferenças que existem entre as pessoas. O que funciona para um pode não funcionar para outro. Informar-se e conhecer essas diferenças são os primeiros passos para conseguir atingir, da melhor forma possível, todas as pessoas de forma eficiente”.
Um dos convidados do 1º Hackathon de Acessibilidade Digital Google, realizado em fevereiro deste ano, ele reconhece a importância de movimentos como o Web para Todos.
Para o músico, são formadores de opinião que instigam e fiscalizam as mudanças, além de referência de conhecimentos e atuarem como os grandes responsáveis por criar a consciência do público geral sobre as diferenças.
E finaliza: “Acho fantástico quando mudanças desse tipo provêm não só por meio de leis, regulamentações governamentais, punições com fiscalização e multas, mas sim da conscientização genuína por parte das pessoas em querer fazer o correto, em prol do bem-estar geral e da comunhão de ideais. Afinal de contas, somos todos humanos e merecemos todos viver sob as mesmas condições de igualdade”.
*Repórter: Elsa Villon