“Acessibilidade vai muito além do benefício de incluir a todos”, diz programador


Foto do Alexandre Santos Costa com os braços cruzados e sorrindo. Ele tem cabelos curtos, barba longa. O olho direito tem uma cor branco-azulada e o esquerdo é branco.
Alexandre Santos Costa, mais conhecido como Magoo, descobriu cedo a sua profissão. Foto: Arquivo pessoal.

O que eu quero ser quando crescer? Essa é uma pergunta que praticamente toda criança faz na infância e quase sempre ganha um rumo diferente ao longo da vida adulta. Não foi o que aconteceu com Alexandre Santos Costa, mais conhecido como o Magoo, que, aos nove anos de idade já tinha descoberto a profissão da sua vida, que se apaixonou perdidamente: desenvolvedor de software.

Tudo começou na escola estadual em que estudava em São Paulo, quando ganhou de presente de uma professora uma bolsa de estudos para frequentar aulas de computação Foi assim que teve seu primeiro contato com o computador e, desde então, aprendeu a programar e não parou mais. 

Não parou nem mesmo quando encontrou barreiras de diversos tipos, inclusive na web. Magoo nasceu cego, com glaucoma. Com 20 dias de nascimento, ele fez uma cirurgia que permitiu que tivesse baixa visão até os 28 anos de idade, quando teve uma crise do glaucoma, e ficou cego em três meses. Até essa idade, Magoo conseguia ler e usar o computador sem nenhum tipo de tecnologia assistiva. Assim que perdeu a visão, precisou se readaptar e seguir em frente com seus projetos. 

Atualmente, Magoo é referência na área de desenvolvimento, mora em Florianópolis (SC) e é Xamarin Chapter Lead na ArcTouch – Mobile & Connected Experiences. Conversamos com ele sobre programação, barreiras de navegação, formação de jovens na área de desenvolvimento web e diferenciais de mercado. Confira a nossa entrevista! 

Movimento Web para Todos – Quais dicas você pode compartilhar para quem quer começar a programar de forma acessível? Por onde começar?  
Alexandre – Desenvolver produtos e serviços acessíveis, sejam eles digitais ou não, depende apenas de boas práticas bem conhecidas e difundidas no mercado. Sendo mais específico em relação à web, seguir as recomendações do W3C em relação às tecnologias HTML, CSS e JavaScript te orientam a produzir documentos acessíveis. Obviamente que conforme a complexidade dos projetos, surgem novas necessidades e componentes mais complexos, e que ainda não foram pensados de forma acessível. Mas é nesse momento que o chamado para a discussão com os usuários se torna tão importante.

Movimento Web para Todos – Com sua experiência como desenvolvedor que entende de acessibilidade na web e tem deficiência visual, quais são as barreiras de navegação que você colocaria em um TOP 5?
Alexandre – A primeira delas é a falta de acesso às funcionalidades por teclado. Muitos desenvolvedores se esquecem do fato de que nem todo mundo utiliza mouse ou outros dispositivos apontadores e temos que “nos virar nos 30” para acessar essas funcionalidades, simulando um mouse virtual.

A segunda barreira é contar com o feedback de navegação apenas em dicas visuais, como cores ou imagens. Fico extremamente desapontado ao acessar um processo de muitos passos, como carrinhos de compra, rastreio de pedidos ou outras informações de onde está o meu pedido, como em triagem, aguardando pagamento. E pior: em mensagens de erro essa informação está disponível apenas de forma visual. Isso também exclui não só cegos e pessoas com baixa visão, mas também pessoas com dificuldade em enxergar cores.

A terceira seria a falta de etiquetagem de elementos, principalmente em formulários. Isso  impede que tenhamos uma transição tranquila entre os diferentes campos: caixa de seleção, de verificação entre outros componentes. Uma má apresentação das mensagens de erro e um não reposicionamento do foco também nos leva à entrada de informações equivocadas e/ou que não consigamos dar sequência ao processo por não entendermos ao certo o que está acontecendo.

A quarta é a falta de descrições adequadas de imagens. Isso nos tira contexto e impede que conversemos de igual com as demais pessoas. O uso constante de imagens e GIFs animados em comunicações nos remove totalmente do diálogo quando as mesmas não vêm acompanhadas de um texto explicativo.

A quinta barreira é o despreparo dos geradores de conteúdo em relação à acessibilidade. Isso impede que tenhamos acesso ao conteúdo total de vídeo, principalmente às aulas, já que o apresentador considera que todos estão vendo e que ele pode se basear apenas em dizer “aqui ou aqui”, ou “como vocês podem ver”, ou “na imagem ou texto que está na sua tela”.

Movimento Web para Todos – Qual é a importância de incentivar os jovens a programar com as diretrizes de acessibilidade? Como atrair esse público?
Alexandre – Voltando à primeira questão: acessibilidade do ponto de vista de codificação vai muito além do benefício de incluir a todos. Vai de encontro à geração de códigos de qualidade, fáceis de serem mantidos por todos. Ter uma base sólida que já inclui todo esse conhecimento das boas práticas fará com que esse jovem, ao se desenvolver na carreira, nunca se esqueça desses princípios. É também no início da carreira que tendemos ser mais empáticos e engajados e, por isso, ter essa base como nossos aliados faz com que, ao entrar em uma empresa que não tenha essas boas práticas, uma pequena revolução inicie e esse produto seja acessibilizado em um futuro não tão distante.

Movimento Web para Todos – Qual será o impacto da acessibilidade digital na sua rotina quando os sites forem acessíveis?
Alexandre – Hoje faço muita troca de contexto entre meu smartphone e meu notebook, já que encontramos diferentes barreiras em cada um desses dispositivos. Ter uma web acessível quer dizer que eu terei acesso a tudo, independentemente de onde eu esteja e, com isso, realizar minhas atividades de forma independente e com autonomia. Além disso, ainda hoje somos impedidos de acessar inúmeros serviços, realizar compras, ter acesso à informação, capacitação profissional e lazer simplesmente porque opções acessíveis não são disponibilizadas. Quando os sites forem acessíveis, um mundo de oportunidades, hoje disponíveis apenas para pessoas sem deficiência, passará a fazer parte do meu dia a dia.

Movimento Web para Todos – Ser um programador que sabe fazer sites acessíveis é um diferencial no mercado de trabalho?
Alexandre – A gente se prende muito às capacidades técnicas de um desenvolvedor. Sou um profissional diferenciado não porque sou cego ou porque sei ou não fazer uma coisa. Sou diferenciado porque estou preparado para abraçar não só novos desafios como as constantes mudanças que vêm com o mercado. O profissional do futuro não será aquele que detém apenas muito conhecimento técnico, mas sim aquele que consegue transitar em diferentes cenários, tem boa comunicação e principalmente muita empatia com seu usuário. Tendo dito tudo isso, pensar no próximo, participar do projeto muito além das competências técnicas, mas se envolver em reuniões de experiência do usuário; ser mais que um fornecedor de serviços, mas um parceiro do cliente; ser mais do que um membro do time, mas alguém que está ali para mentorá-los. Isso me faz ser um profissional buscado pelo mercado, e logicamente que acessibilidade é parte fundamental desse kit básico no meu cinto de utilidades.

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