Por que falta acessibilidade para pessoas com deficiência visual nos aplicativos de celular?


Foto em close de mulher cega em uma sala com prateleiras e vários livros. Ela segura um celular com a mão esquerda e toca a tela com os dedos da mão direita. Ela tem cabelos castanhos escuros, traços orientais e veste camisa verde clara. Ela sorri.
Empresas ainda ignoram pessoas com deficiência como potenciais consumidoras de seus produtos e serviços e as excluem de seus canais digitais. Foto: iStock

Por Aretha Fernandes*

É inegável que os aplicativos móveis facilitam a nossa vida. Podemos usá-los para compras on-line, pedir táxi, fazer transferências e pagamentos e até buscar parceiros para relacionamentos amorosos. 

Eles fazem parte do nosso dia a dia. Durante a pandemia, isso ficou ainda mais evidente. Até o Governo Federal se valeu de um aplicativo para o repasse do auxílio emergencial.

O uso frequente desses programas de celulares rendeu ao Brasil o segundo lugar em um ranking mundial de média de horas mensais gastas em aplicativos que não são jogos. Os brasileiros ficaram atrás somente dos indianos. 

No entanto, essa praticidade não é a realidade de todos no país. Por falta de acessibilidade, pessoas com deficiência visual são impedidas de navegar com autonomia na maioria dos aplicativos. Assim, tarefas que parecem simples, como pedir uma pizza, podem não ocorrer devido a barreiras no acesso à informação.

Como entender esse cenário?

Por que designers e desenvolvedores não estão aplicando as diretrizes de acessibilidade em seus projetos digitais? Essa pergunta foi o que norteou a pesquisa realizada pelo Victor Leal, aluno do Centro de Informática da UFPE e desenvolvedor iOS pela Kobe, como parte do seu Trabalho de Conclusão de Curso apresentado na Universidade Federal de Pernambuco em 2020. 

O estudo originou um artigo que será apresentado na 14ª Conferência Internacional sobre Aspectos Cooperativos e Humanos da Engenharia de Software – CHASE 2021.

A pesquisa citou o levantamento pioneiro feito pelo Movimento Web para Todos e a BigDataCorp com mais de 2 mil aplicativos Android utilizados comumente pelos brasileiros. Esse estudo mostrou que menos de 1% desses apps avaliados estão acessíveis para pessoas com deficiência visual. 

Menos conhecimento, mais barreiras

A avaliação contou com 103 entrevistados, sendo 29 designers e 74 desenvolvedores mobile. Mais de 60% deles já participaram de mais de cinco projetos mobile e 43% atuam na área há mais de três anos, o que aponta para um grupo relativamente experiente.

Desse universo, mais da metade já fez uso do leitor de tela ao menos uma vez, um pouco menos de 50% conheciam o WCAG – Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web e mais de 55% desconhecem a Lei Brasileira de Inclusão.

Invisíveis até quando?

Segundo a pesquisa, o principal motivo relacionado ao desconhecimento das diretrizes foi o pouco interesse do mercado sobre o tema. Alguns entrevistados também alegaram que o assunto não é prioridade para os clientes e que as pessoas com deficiência não fazem parte do público dos aplicativos.

É evidente que elas fazem parte dos milhares de consumidores e consumidoras de aplicativos. Mas, por conta dessas barreiras, acabam invisíveis para quem está do outro lado da tela. 

Isso apesar do número expressivo de pessoas cegas, com baixa visão ou visão subnormal no país. Juntas, elas somam mais de 6,5 milhões, de acordo com o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Como mudar esse cenário?

Uma das conclusões feitas a partir da pesquisa é a necessidade de disseminação de dois dos principais norteadores que qualquer profissional que trabalhe com desenvolvimento mobile deve ter: o WCAG e a LBI – Lei Brasileira de Inclusão. Outro apontamento é a fiscalização da aplicação da LBI. 

Há alguns anos, o Movimento Web para Todos vem atuando nesse sentido, incentivando o debate sobre o tema e a incorporação das diretrizes de acessibilidade por todos que atuam com produtos e serviços digitais.

Para Victor Leal, os recursos de acessibilidade melhoram a experiência de qualquer usuário. “Esse debate precisa chegar em mais pessoas para que tenhamos resultados no cenário de acessibilidade mobile. A acessibilidade é um nível de qualidade que os projetos podem chegar. Ela garante o direito de acesso a um público específico, ao mesmo tempo em que melhora a experiência para todos os usuários”, explica o pesquisador.


*Aretha Fernandes é  jornalista focada em Comunicação Acessível e especialista em Gestão da Comunicação Organizacional Integrada. Ela faz parte da rede de profissionais do Movimento Web para Todos que dedicam seu tempo de forma voluntária produzindo conteúdo sobre acessibilidade digital.

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