"É preciso priorizar a acessibilidade para que mais pessoas e empresas tornem seus conteúdos acessíveis", diz especialista


Foto da Isa Meirelles com um leve sorriso. Ela tem cabelos lisos e longos, castanhos claros, na altura dos ombros, tem os olhos claros. Um deles é azul esbranquiçado. Isa usa uma blusa rosa com lantejoulas brilhantes.
Isa Meirelles é criadora de conteúdos. Foto: Arquivo pessoal.

Isa Meirelles enxerga o mundo pela perspectiva de apenas um olho desde pequena e sempre foi bastante independente. Pra você entender o contexto: ela nasceu com glaucoma congênito nos dois olhos e, depois de algumas cirurgias e transplantes, conseguiu recuperar 100% do olho direito e perdeu a visão do esquerdo. Hoje é criadora e apoiadora de novas narrativas, como ela conta em seu site

“Acredito que a gente não precisa dizer ok pra todos padrões que um dia alguém nos disse que eram corretos. A gente não precisa agradar a sociedade para ela nos incluir. Se você der uma fuçada nas minhas redes, vai descobrir que eu não acredito nas heroínas como salvação do mundo. Aposto que o mundo está carente de líderes que empoderem pessoas ao seu redor”, afirma. 

Isa nasceu em São José dos Campos (SP) e vive na capital paulista desde 2012, ano em que começou a cursar a faculdade de Relações Públicas na Escola de Comunicações e Artes da USP. “Foi o lugar que fiquei para trabalhar e que virou a cidade do meu coração!”, diz. 

A aproximação dela com a acessibilidade aconteceu após sua formatura, quando iniciou seu trabalho em um grande banco e conviveu com várias pessoas com diferentes deficiências. “Nessa época, percebi as enormes barreiras de acessibilidade que existiam dentro e fora do ambiente de trabalho, principalmente em relação à comunicação. Foi aí que percebi minha limitação, enquanto comunicadora, para incluir pessoas com deficiência nos processos comunicativos. Eu não havia aprendido sobre acessibilidade na comunicação, sequer considerado a possibilidade de existência das pessoas com deficiência como seres comunicantes”, confessa. 

Sempre criativa e dinâmica, a criadora de conteúdos transita em diversos ambientes e usa bastante as suas redes por uma comunicação cada vez mais acessível. Hoje, ela é também uma das embaixadoras do Movimento Web para Todos, engajada em diversos projetos. Entre eles, é uma das fundadoras do coletivo “Quem São Elas?”, uma comunidade que busca soluções para uma moda e beleza mais diversa e representativa e da @redesign, uma plataforma de Design Inclusivo.  

Conversamos com Isa sobre acessibilidade digital, seus desafios como pessoa com baixa visão, dúvidas frequentes sobre o assunto e as barreiras que fazem parte da rotina como profissional que luta para que ela seja aplicada nas empresas e na sociedade em geral. 

Movimento Web para Todos – Como é a sua relação com o tema acessibilidade digital? A partir de quando começou a se atentar para ele, a trabalhar e a ser ativista na área?
Isa Meirelles – Depois que detectei minha falha em comunicar com acessibilidade com os diversos públicos, fui atrás de tudo relacionado à acessibilidade e suas relações com comunicação. Fiz curso de moda inclusiva, audiodescrição, curadoria e expografia acessíveis e tecnologias acessíveis. Foi nesse contexto que conheci a acessibilidade digital por meio do Movimento Web Para Todos, que me abriu o horizonte sobre a enorme exclusão tecnológica da sociedade e como a própria tecnologia possuía os recursos para a inclusão de todas as pessoas, independentemente de suas deficiências.

Percebi que faltavam informações de forma ampla, as pessoas perto de mim sequer sabiam da existência desse universo da acessibilidade, e eu precisava fazer algo. Foi então que eu comecei a usar minhas redes sociais, principalmente meu perfil no Instagram (@isa.meirelles) para divulgar e incentivar as pessoas a conhecer a acessibilidade digital e praticá-la.

Movimento Web para Todos – Quais são as dúvidas mais frequentes que recebe quando o assunto é acessibilidade digital?
Isa – Primeiro de tudo, o pessoal quer saber o que é acessibilidade. Então é preciso dar uma contextualizada no tema para as pessoas. As dúvidas mais comuns são em torno das redes sociais, como usar a hashtag #PraCegoVer, como colocar texto alternativo, e também existem muitas dúvidas sobre como as pessoas cegas, por exemplo, acessam esses conteúdos. Daí eu tento explicar sobre o uso das tecnologias assistivas, como o leitor de telas.

Movimento Web para Todos – Como você lida com a baixa visão? Quais desafios você encontra na web, em relação às barreiras de navegação?
Isa – Como eu tenho o olho direito funcionando 100%, quando uso óculos de grau, claro, tenho poucas barreiras de navegação hoje em dia. Antigamente era beeem mais complicado porque eram poucos sites que possuíam a lupa de zoom. Hoje ainda tenho dificuldades com sites com letras pequenas e com pouco contraste –  é uma realidade que existe bastante, infelizmente.

Movimento Web para Todos – O que é preciso fazer hoje para que mais pessoas e empresas tornem seus conteúdos acessíveis?
Isa – Primeiro de tudo, priorizar o assunto. Ainda é muito difícil defender a importância e o impacto da acessibilidade para a sociedade de uma forma ampla, porque a desculpa mais comum é sempre: não me relaciono com pessoas com deficiência ou não tenho clientes/ funcionários com deficiência. Por que gastar com acessibilidade?

Essa é a mentalidade que a gente tem que transformar: trocar “gasto” por “investimento”. Mesmo porque acessibilidade é prevista na Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Então, além de tudo, é uma obrigação legal.

Nosso trabalho como criadores de conteúdo e influenciadores sobre o tema é transformar esse pensamento e fazer a acessibilidade digital ser uma realidade no Brasil e no mundo.

Movimento Web para Todos – Você trabalha bastante a sua própria comunicação para conscientizar outros comunicadores com a comunicação acessível e inclusiva. Como é esse processo, os desafios e a importância de atuar nesse tema?  
Isa – Tem vezes (muitas vezes) que eu desanimo (risos), porque você tem que bater na tecla o tempo todo e justificar a importância, mas acredito que é o único caminho possível –  o da divulgação e da educação pra gente formar cada vez mais comunicadores conscientes da acessibilidade. E nós estamos evoluindo. Vejo muitos jovens, os famosos geração Z, que têm outra postura diante do assunto e se interessam pelo tema. Além de tudo, as redes sociais favoreceram muito esse processo, pois possibilitam que as pessoas tenham mais contato com a diversidade e também com a acessibilidade.

Movimento Web para Todos –  O que você diria pra quem está começando a se atentar para isso? Como ser um comunicador mais ativo nesse sentido e quebrar as barreiras de se expor? 
Isa – Não tenha medo de começar. Esse é o conselho que de primeiro eu dou para as pessoas, porque acredito muito que o que realmente importa é a intenção de querer ser mais acessível pra gente evoluir no tema e a acessibilidade digital se transformar em uma prática no país.

Algumas dicas práticas que costumo orientar: comece a descrever as imagens nas redes sociais, use legendas quando puder, opte sempre por fontes maiores e com contraste com o fundo e, quando tiver dúvida, pergunte para as pessoas se aquele conteúdo é acessível, como ele pode ser melhorado. Eu sou uma grande incentivadora de primeiros passos, pois é melhor fazer uma pequena ação do que não fazer nada. 

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