Dia do Consumidor

Varejo online cresce, mas ainda exclui clientes com deficiência


Foto de parte do corpo de uma jovem numa cadeira de rodas com um laptop sobre as pernas. Uma de suas mãos toca o teclado e a outra segura um cartão de crédito.

O comércio eletrônico brasileiro tem apresentado crescimento constante desde 2018. Até o final de 2025, a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) diz que a expectativa é que esse setor fature cerca de R$ 225 bilhões, o que significa quase R$ 20 bilhões a mais do registrado no ano passado.

Ainda segundo a ABComm, este avanço tem sido impulsionado especialmente pela transformação digital e pelas mudanças de hábitos de consumo. “Mas a pergunta que fica no ar é: quantos bilhões a mais este mesmo varejo online poderia faturar se incluísse em sua estratégia de expansão a acessibilidade em suas plataformas digitais?”, provoca Simone Freire, idealizadora do Movimento Web para Todos.

De acordo com o Censo de 2022, a população brasileira a partir de dois anos de idade com deficiência é estimada em quase 19 milhões de pessoas, o que corresponde a 8,9% do total deste grupo. 

No ano passado, o número de consumidores e consumidoras que fazem suas compras online no país subiu em três milhões, somando hoje 94 milhões de pessoas, conforme dados da ABComm. “Imagine, agora, se 19 milhões de potenciais clientes pudessem acessar e navegar facilmente pela sua loja virtual, acompanhar suas promoções e ter autonomia para comprar seus produtos e serviços. Não tenho dúvidas de que seria registrado um crescimento ainda maior no e-commerce brasileiro”, afirma Simone.

Avanços e retrocessos

De 2020 a 2024, houve um avanço significativo no nível de acessibilidade das lojas virtuais nacionais, de acordo com o estudo anual realizado pela BigDataCorp em parceria com o Movimento Web para Todos e Nic.br. Em 2020, apenas 1,30% de todo e-commerce brasileiro apresentou o mínimo de acessibilidade em seus sites. Já em 2024, este número subiu para 3,04%.

Este sutil avanço foi percebido em um estudo realizado em novembro de 2024 com 25 pessoas com e sem deficiência ligadas ao Movimento Web para Todos. Elas participaram voluntariamente de um teste de usabilidade nas cinco lojas virtuais mais acessadas no Brasil naquele momento, de acordo com a SemRush: Amazon, Magazine Luiza, Mercado Livre, OLX e Shopee.

Com base em um roteiro desenvolvido por especialistas em acessibilidade digital, elas navegaram por estes sites com o objetivo de analisar aspectos básicos e necessários para quem necessita de recursos de acessibilidade, seja de forma temporária ou permanente.

Naquele momento, não foram identificados, por exemplo, a presença de pop-ups durante a navegação. Pop-ups são janelas que aparecem sobre o conteúdo da página, geralmente para exibir uma mensagem, oferta ou aviso. Este tipo de recurso é considerado uma barreira de acessibilidade, pois pode atrapalhar ou até inviabilizar a navegação de pessoas que utilizam leitores de tela, de quem é neurodivergente, de quem tem mobilidade reduzida, entre outros perfis.

Outro ponto positivo apresentado neste teste é que a maioria das pessoas (69%) avaliou que as categorias e subcategorias de produtos estavam organizadas e apresentadas de forma clara e compreensível nas cinco lojas virtuais, atendendo a um dos requisitos de acessibilidade digital.

As promoções apresentadas nas plataformas analisadas também puderam ser percebidas e compreendidas por grande parte das pessoas que fizeram este teste (67,2%). O mesmo aconteceu com o processo de finalização da compra, incluindo a geração de código PIX. Para a grande maioria (71,3%), esta etapa foi clara e fácil de entender.

Nas cinco plataformas foi possível navegar usando apenas o teclado, o que beneficia diretamente pessoas com deficiência motora ou mobilidade reduzida. No entanto, muitas vezes o foco desaparecia durante a navegação e a pessoa não conseguia mais saber onde estava naquela página.

Apesar destes avanços, algumas barreiras básicas de acessibilidade foram encontradas nos sites testados. Um deles é a ausência de descrição clara do produto no campo para texto alternativo (ALT), o que dificulta ou impede pessoas cegas ou com baixa visão que dependem de leitores de tela de continuarem o processo da compra de forma autônoma. Além de não atender a mais um dos requisitos mínimos de acessibilidade digital, é importante registrar que o direito à informação está previsto tanto na Lei Brasileira de Inclusão (LBI) quanto no Código de Defesa do Consumidor.

Todas as plataformas se desconfiguraram quando foi aplicado o zoom de até 200%, ferindo mais um dos princípios básicos de acessibilidade digital. Este recurso é essencial para pessoas com baixa visão, míopes, entre outras com diferentes tipos de comprometimento na visão.

Alguns vídeos de demonstração de produtos exibiam legendas. Mas elas nem sempre estavam completas e fiéis ao conteúdo narrado no áudio. Além disso, não foi identificada a presença de Libras e audiodescrição em nenhum deles. Dessa forma, fica praticamente inviável a pessoas surdas sinalizantes, cegas e com baixa visão compreenderem o conteúdo daqueles vídeos, que são essenciais – e muitas vezes decisivos – num processo de compra.

A identificação da loja com endereço e CNPJ é outro ponto básico tanto sob a perspectiva da acessibilidade quanto dos direitos de quem consome produtos e serviços online. Esta informação nem sempre foi simples de ser visualizada, seja por falta de contraste suficiente, tamanho muito reduzido da fonte utilizada ou dados incompletos. Quando isso ocorre, há violação do segundo artigo do Decreto de Comércio Eletrônico.

“A conclusão que tiramos deste cenário todo é que o Dia do Consumidor deve ser sim um período de boas ofertas e promoções, mas sem tirar de ninguém a oportunidade e o direito de participar dessa festa. Enquanto esse dia ainda não chega, aproveitamos a data para conscientizar a sociedade e as empresas sobre tudo o que está sendo violado”, finaliza Simone.

*Participaram desse teste de usabilidade com foco em acessibilidade as seguintes pessoas que participam da Liga Voluntária do Movimento Web para Todos: Anicler Santana Balbino, Bruce Lopes da Rocha, Camila Neves Bueno, Cristiane Yayoko Ikenaga Fernandes, Doriane Vasconcelos de Oliveira, Eliane Maciel Bermudez, Filipe Ballico de Moraes, Gabrielly Castro, Ghael Henrique Moura Leite, Giovana Freire Villari, Íngrid Júnia Severino Oliveira, Joanna Voloski, Julio Augusto Duarte de França, Laisa Alves da Costa, Lane Primo, Ligiane Alzie Basques, Lucas da Silva Aureliano, Marcelo Penha, Marília Rodrigues de Sousa, Michele Caroline Teixeira de Oliveira, Odenilton Júnior Ferreira dos Santos, Rafael Arruda das Neves, Roger Rangel Mendes Bueno, Rosemeire Cardozo Vidal e Victoria Raupp Krupp. O teste foi liderado por Jeniffer Deus, profissional da área de qualidade de software, entusiasta de acessibilidade e também integrante da Liga Voluntária.


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