Como podemos tornar a vida na web mais inclusiva?


Por Gabriel Sangioratto*

 Foto do Gabriel Sangioratto sorrindo. Ele tem cabelos curtos e usa uma blusa vermelha. Há um laptop ao lado dele, ligado, que mostra diversas imagens.
Gabriel Sangioratto. Foto: Arquivo pessoal.

Nem todo mundo sabe, mas as pessoas com deficiência também podem navegar na web. Quer dizer, desde que os sites proporcionem uma boa experiência. É sobre isso que vou tratar a seguir, principalmente vou falar sobre quais são os impactos quando falamos de acessibilidade na web. 

Para começar, sou Gabriel, tenho deficiência física por conta de uma hemiparesia, que é quando somente um lado do corpo é afetado pela paralisia cerebral. No meu caso, afetou o lado esquerdo, fazendo com que eu perdesse os movimentos de uma das mãos. Além disso, há seis anos, perdi a visão devido a um mal-estar vindo da escola para casa. 

Não perdi toda a visão, porém, não posso ler mais nada com autonomia. Vejo luz, vejo cores, mas sinto como se a minha vista apagasse e voltasse muito rápido. É como se você conseguisse piscar os olhos exatamente seis vezes por segundo.

Atualmente, uso um iPhone para navegar, pois, pessoalmente, acredito ser mais prático e acessível que o próprio computador. Embora sejam plataformas totalmente diferentes, os cuidados que devemos ter ao desenvolver um site ou um aplicativo são muito parecidos.

Com o iPhone, o Android e o computador usamos softwares, nativos ou não, que fazem a leitura do que está na tela. São os famosos leitores de tela. Eles alteram os comandos que damos e, no caso de um smartphone, não basta dar apenas um toque para ativar um botão, por exemplo. É necessário colocar o cursor do leitor no elemento que você deseja e tocar duas vezes nele. 

Isso acontece para que possamos ouvir o nome daquele elemento e consequentemente, nos dar mais segurança, para termos certeza de que é ali que queremos tocar. Duas situações que podem ocorrer: 

1. O leitor de telas não identifica nada ao passarmos o dedo em toda ou em uma área específica da tela, e ouvimos um som de erro, de área vazia. É o caso do Waze e do Google Maps, quando tocamos nas linhas coloridas onde se tem a informação do trânsito.

2. O leitor de telas não passa pelos aplicativos, fazendo com que não seja possível saber onde estamos focados, pois qualquer toque em algum botão já é suficiente para ativá-lo.

Acontece muito na maioria dos jogos para Android e iOS. Isso também acontece em aplicativos para Windows. 

O WhatsApp Desktop é um bom exemplo. Com os leitores de tela para Windows e Mac, temos diversos comandos para especificarmos exatamente qual parte da tela queremos focar, e pode ser que alguns aplicativos aceitem o comando, mas o leitor não diz nada, pois na estrutura do aplicativo ou do site não há uma etiqueta, ou seja, um nome que corresponde ao desenho que um link ou um botão exibe.

Falando sobre sites, o Facebook oferece uma forma muito básica de inserir etiquetas em imagens. São os textos alternativos. Usar esse recurso é bastante eficaz, porque as imagens publicadas terão uma descrição que você mesmo inseriu, e o mais legal é que ela fica oculta.

Ninguém conseguirá ler o conteúdo da descrição a menos que passe com o leitor por ela ou que abra a parte de edição da foto e clique em “Editar texto alternativo”. Essa é, entre aspas, a etiqueta que todo site deveria ter em suas imagens, logotipos e símbolos em geral.

O site do Movimento Web para Todos é outro exemplo bacana. Como a missão deles é proporcionar uma boa qualidade e experiência de navegação, uma das medidas tomadas foi essa, a inserção de textos alternativos. Isso impacta muito positivamente na minha vida e na de milhares de cegos mundo afora.

Quando pesquisamos por uma imagem no Google, queremos saber exatamente do que se trata. Pense em uma pessoa com deficiência visual que precisa coletar imagens para um trabalho de escola ou de faculdade. Como ela se sentiria ao saber que todas as imagens não estão acessíveis? Ou mesmo você que lê este artigo agora. Como você se sentiria?

Quanto aos jogos, não tenho mais o costume de acessar esse tipo de site, porque são tão inacessíveis quanto os aplicativos. Lembro-me que quando eu era mais novo e podia enxergar, jogava aquele mesmo jogo da cobra, que existia nos celulares da Nokia, na internet. Jogava um jogo de corrida dos Padrinhos Mágicos, e adorava. Agora que esse tipo de acessibilidade faz parte da minha vida, precisei abandonar esse costume. 

Isso também vale para jogos online em consoles de videogame. Todos precisam contar com acessibilidade. A falta desse recurso exclui as pessoas cegas do público que gosta de se entreter jogando! E não apenas para deficiência visual. 

Dando uma breve pincelada, vou falar do jogo Mario Kart para Wii. Nesse jogo, para fazer uma curva, é preciso usar o sensor de movimento e, no meu caso, só posso usar uma das mãos para jogar. Isso dificulta na hora de acelerar, fazer as curvas e arremessar os poderes nos adversários.

Ainda sobre barreiras de acessibilidade, existe uma coisa que prejudica muito a vida de quem precisa usar softwares de leitura da tela. São os GIFs e as figurinhas ou stickers (não confunda com os emojis). Os emojis fazem parte do próprio teclado do seu celular. Normalmente você chega neles tocando em um ícone de smile ou de globo, como mostra a imagem abaixo:

Reprodução de imagem de conversa no WhatsApp, que mostra dois áudios com foto de um jovem sorrindo. Abaixo, há diversos emojis e ícones: ABC, um globo com ponteiro, lâmpada, entre outros.
Conversa de WhatsApp. Foto: Reprodução.

As figurinhas são mais comuns em aplicativos, como Facebook, WhatsApp e Telegram, onde as pessoas costumam trocar mensagens com frequência. Já os emojis podem ser usados em todo e qualquer lugar onde seja possível inserir texto. Para que isso se torne acessível, novamente faz-se o uso das etiquetas. Você pode inserir uma etiqueta com a descrição da figurinha, por exemplo. Apenas isso ajudaria.

Outra barreira muito comum são os reCAPTCHAS. Sim, parece uma coisa bem esquisita, mas não são nada mais do que aqueles desafios “Não sou um robô”. Acredito que alguém aqui já passou por eles. Se fosse o caso de apenas marcar a caixa de seleção dizendo que não sou um robô, estaria tudo bem. 

Porém, o desafio consiste em decifrar o que está escrito em uma imagem com letras distorcidas ou em áudios abafados, semelhantes a um rádio Nextel.

Pare por um instante e pense em como uma pessoa com surdo-cegueira faria para passar por esses desafios sem pedir ajuda a ninguém. É difícil, não? Por esse motivo, sempre devemos observar se esses sistemas de segurança não estão barrando as pessoas, ao invés de somente impedir que suas contas sejam invadidas.

É essencial que tenhamos cada vez mais sites e aplicativos acessíveis. Gostaria muito que houvesse esse tipo de preocupação. Eu e outras pessoas com deficiência nos sentimos frustados quando queremos ler uma notícia e as imagens não têm descrição, quando os jogos não suportam os comandos dos nossos leitores, quando queremos comprar um produto e não podemos usufruir de tudo que ele oferece porque foi construído e pensado para quem não precisa de adaptação. 

Tudo isso é inclusão! O simples fato de colocar scripts permitindo que os leitores de tela identifiquem alguns objetos já inclui mais de 6,5 milhões de pessoas. Isso não é fantástico? Pare e pense no tamanho de uma audiência como essa.

*Gabriel Sangioratto é analista de marketing. 


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