
Por Profa Me Rosemeire Cardozo Vidal*
Que o celular se tornou uma ferramenta essencial no dia a dia, isso já sabemos. Hoje usamos aplicativos móveis, chamados popularmente de “apps”, para solicitar um carro, conversar com outras pessoas, fazer pagamentos e muito mais. Por isso, estes se tornaram indispensáveis para realizar tarefas diárias de forma rápida e prática. Sendo assim, esses apps deveriam ser criados para que qualquer pessoa consiga usá-los de forma autônoma, ou seja, sem depender de ajuda de ninguém.
No entanto, sabemos que, na prática, nem sempre isso funciona, pois pessoas com diferentes tipos de deficiência ainda podem ter dificuldades para usar esses aplicativos. Isso acontece porque os recursos de acessibilidade não foram considerados na criação do app, o que pode causar obstáculos e frustração para elas.
Pensando em diminuir ou eliminar barreiras de acessibilidade digital, foi criada a Norma brasileira ABNT 17060:2022 para aplicativos móveis e lançada em outubro de 2022. Nela encontramos quais características (requisitos) que eles precisam ter para garantir que sejam acessíveis para todo mundo.
Quem se beneficia desta Norma?
Todas as pessoas, com e sem deficiência permanente ou temporária, se beneficiam com a acessibilidade digital. Vamos pegar o exemplo do uso do áudio para envio de mensagens. O áudio foi originalmente adicionado aos aplicativos para facilitar o envio de mensagens para pessoas com deficiência visual e com baixa escolaridade, mas tem sido utilizado – e muitas vezes preferido – por muitas pessoas sem deficiência como uma forma de facilitar a troca de mensagens mais longas.
Mas a Norma ABNT 17060:2022 foi organizada com foco maior em quem tem algum tipo de deficiência, como:
Pessoas cegas: páginas bem organizadas e estruturadas facilitam a navegação e a interação delas com a interface do app.
Pessoas com baixa visão: precisam de alternativas de ampliação e redução de tela (ajuste de zoom), controle de contraste e brilho.
Pessoas com daltonismo recorrem a alternativas de uso além das cores, como textos e símbolos.
Pessoas surdas: utilizam alternativas de uso além dos estímulos sonoros, como legendas e tradução do conteúdo textual para língua de sinais.
Pessoas com baixa audição: os apps precisam disponibilizar controle de faixa de áudio, clareza no áudio, redução de ruído de fundo para viabilizar a compreensão delas.
Pessoas com deficiência na fala: precisam de outras formas de uso além da voz, como toque na tela ou teclado.
Pessoas com deficiência ou limitação nos membros superiores: os aplicativos devem oferecer diferentes maneiras de usá-los, como permitir ações que possam ser feitas com apenas uma das mãos ou com paleta de boca. Os botões e outros elementos da tela devem estar em locais de fácil acesso.
Pessoas com epilepsia fotossensível: devem ser privadas de recursos piscantes que podem causar convulsões.
Como entender a Norma ABNT 17060:2022
As normas são criadas por grupos de especialistas e pessoas interessadas no assunto, que se reúnem para definir as melhores recomendações técnicas sobre o tema. Com a ABNT 17060:2022 para aplicativos móveis, não foi diferente. Ela foi baseada nas recomendações técnicas internacionais do W3C (World Wide Web Consortium), que é a principal organização internacional de padronização da web para acessibilidade digital.
As orientações desta Norma são divididas em três partes:
- Percepção e compreensão,
- Controle e interação
- Mídia.
Ela contém 36 requisitos obrigatórios e 17 recomendações extras. Para estar em conformidade com a Norma, é preciso atender a todos os requisitos. Já as recomendações ajudam a melhorar a experiência das pessoas, tornando os aplicativos mais fáceis e confortáveis de usar.
Na prática
Algumas pessoas com deficiência que fazem parte da Liga Voluntária do Movimento Web para Todos compartilharam algumas barreiras que enfrentam com frequência em alguns apps.
Duas delas, uma autista e outra com movimento em apenas uma das mãos, relataram que o tempo limitado a 3 minutos em um chat é muito curto para completar uma resposta.
Para esse caso, a ABNT 17060:2022 na seção 5.1.2.6 “Requisitos de definição de tempo para execução de atividades” orienta que, quando o tempo limite não for essencial para uma tarefa, o aplicativo deve permitir que quem o estiver utilizando desligue essa restrição ou estenda o tempo em até 10 vezes.
Este procedimento beneficia, por exemplo, pessoas cegas, com baixa visão, com limitação física e neuro divergentes, pois geralmente precisam de mais tempo para concluir a ação.
Outra barreira comentada em uma live do Canal Inclunet, desta vez por uma pessoa cega, informou que enfrenta em aplicativos de transporte. Ela disse que consegue pesquisar e selecionar o tipo de viagem, mas o aplicativo trava e a impede de finalizar o pedido no momento de preencher o local de partida.
Nesse caso, ao usar o leitor de telas, a navegação não funcionou corretamente. A seção 5.1.2.14 “Requisitos para navegação com recursos de tecnologia assistivas” da ABNT 17060:2022 orienta que não pode haver bloqueio na navegação sequencial com o uso de tecnologia assistiva. Ao adotar este requisito, aplicativos beneficiarão diretamente pessoas cegas, com baixa visão e limitação motora, que geralmente utilizam recursos assistivos durante a navegação.
O papel da ABNT 17060:2022
Importante destacar que esta Norma é um guia técnico baseado em padrões de boas práticas de acessibilidade digital reconhecidos mundialmente e que pode ser usada desde a fase de planejamento de um app.
Além disso, ela orienta na correção de barreiras, como as citadas nesta reportagem e outras, em aplicativos que já estão disponíveis no mercado.
No entanto, é importante entender que, embora a Norma ajude a identificar as barreiras de acessibilidade, ela ainda não resolve todos os problemas, pois as diferentes situações e necessidades das pessoas, especialmente as que têm deficiência, podem ser complexas. Por isso, é fundamental que haja o envolvimento delas tanto no processo de desenvolvimento do app quanto nos testes para correções de problemas.
*Rosemeire Cardozo Vidal é mestre em bioengenharia e professora de acessibilidade web com foco em testes e em WCAG. Ela faz parte da Liga Voluntária do Movimento Web para Todos.