Aplicativo inclui crianças e jovens com autismo no mundo digital

Desenvolvedor de software cria aplicativo de jogos inspirado na experiência com seu filho com autismo


Foto do Ronaldo agachado, abraçando o filho. Ambos sorriem e estão em uma área externa com plantas ao fundo.
Ronaldo Cohin, CEO do app Jade Autism, ao lado do seu filho Lucas. Foto: Arquivo pessoal.

Por Elza Maria Albuquerque*

Diversos especialistas afirmam que o ato de brincar pode facilitar e muito a aprendizagem, principalmente com inovação, por meio da tecnologia. Agora imagine um jogo online capaz de contribuir para o desenvolvimento cognitivo de crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), dificuldades de aprendizagem e atrasos no desenvolvimento. Ele já é realidade com o aplicativo Jade Autism, criado por Ronaldo Cohin, desenvolvedor de software, que é pai de uma criança com autismo e que gosta muito de jogos digitais. 

Cohin descobriu cedo que seu filho, Lucas, era uma criança com autismo. “Quando ele tinha dois anos de idade, a própria escola nos chamou e levantou a suspeita por conta das rotinas –  que ele fazia serem muito características, como a valorização excessiva por objetos e não por pessoas. Nós tomamos a postura de encarar de frente e fazer o melhor pra ele. Infelizmente, vemos muitos pais tomarem a postura da negação e perderem meses (ou anos) valiosos no tratamento”, afirma. 

O dia a dia com o filho, com o aplicativo e outras famílias de usuários do Jade  impulsionaram o aprendizado em relação à acessibilidade na web. Em relação às barreiras que atrapalham a navegação de quem tem autismo, ele destacou que os conteúdos não são normalmente produzidos para pessoas que têm uma sensibilidade maior. 

“No caso dos autistas, muitas vezes, a sensibilidade a cores e a certa quantidade de luz, além de sons altos ou disformes, são conteúdos que podem até ocasionar uma desestabilização. Acredito que, com a disseminação da causa do autismo, alguns grupos têm pensado melhor nos autistas”, diz.

Funcionamento e benefícios do app

O Jade inclui tarefas interativas e inteligentes elaboradas para estimular o desempenho visual, a atenção, a resposta do usuário e o raciocínio lógico matemático das crianças e jovens que interagem com o game. Ele segue o fluxo natural de aprendizagem, respeitando o ritmo e a individualidade de cada um. Os benefícios dele não são só para crianças com autismo, mas também com Síndrome de Down e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). 

“Como uma boa parte do tratamento cognitivo para esses pacientes é quase a mesma, tentamos abordar justamente o que fosse melhor e pudesse impactar o maior número de crianças possível. O jogo estimula muito as funções cognitivas das crianças. Na medida em que elas jogam, os algoritmos de leitura comportamental fazem leituras que dificilmente seres humanos conseguiriam captar”, diz. 

Os dados gerados a partir da interação dos participantes na plataforma fazem parte de relatórios de prognóstico e desempenho das crianças para que seus terapeutas possam acompanhar com mais exatidão o seu desenvolvimento e saber onde estão seus maiores desafios.

No caso do Lucas, segundo Cohin, o Jade não foi tão usado, principalmente após os quatro anos. “O Lucas possui um intelecto bastante avançado e os jogos de lógica que ele procura são jogos para adultos. Ele faz cálculos matemáticos complexos, logo o Jade não é mais um desafio pra ele”, explica. 

Aprendizados, união e transformação

O app surgiu durante seu trabalho de conclusão de curso de Ciência da Computação, na Universidade de Vila Velha. Para desenvolvê-lo, Ronaldo precisou se aprofundar mais sobre acessibilidade digital não só estudando, mas também seguindo para a parte prática. “Em 2017, tudo o que eu implementava, colocava em teste não só com meu filho, mas também na Apae de Vitória. Isso ajudou muito a validar o que eu estava fazendo”, conta. 

Cohin afirma que o trabalho para construir o Jade foi bastante intenso e que ainda hoje trabalha quase que diariamente com sua equipe na construção de novas funcionalidades que serão lançadas em breve. “Hoje, além de mim e do Marcus, que somos da linha de frente, temos a equipe de desenvolvimento de software e uma equipe médica e terapêutica liderada pelo Drº Marcelo Masruha, que é um dos melhores neurologistas do Brasil, o que nos deu muito fundamento para nos aprofundar mais no tema.” 

E os desafios em relação à tecnologia e à própria dinâmica do app? De acordo com Ronaldo, o maior deles foi provar e validar que a ideia de coleta e tratamento de dados fazia sentido no ponto de vista terapêutico. Já no ponto de vista tecnológico, o maior desafio foi construir os algoritmos, em relação aos códigos e lógicas. “Era uma ideia que eu tinha na cabeça, mas que era disruptiva. Os profissionais nunca tinham trabalhado com algo parecido. Foi bom quando eles entenderam como esses dados poderiam ajudá-los.” 

Cohin explica que, quando se trata de um universo tão amplo quanto o do autismo, a acessibilidade é muito desafiadora. “Isso porque você lida com crianças que às vezes são muito comprometidas no sentido cognitivo (que não falam, não se comunicam), e outras que são ‘jovens Einsteins’. Lembro-me de um ocorrido, por exemplo, em que tínhamos uma figura de um gato com olhos um pouco grandes; como normalmente o autista é ‘sim’ ou ‘não’, ‘0’ ou ‘1’, eles  não entendiam que aquilo era um gato, pois gatos não tem olhos tão grandes. Tivemos que voltar ao design e refazer o gatinho. Então, por mais que você se atente aos detalhes, há muita tentativa e erro.”

Alcance da plataforma 

Lidar com o crescimento, interações e alcance do Jade são pontos importantes que Cohin e sua equipe já inseriram na rotina. “Recebemos dezenas de e-mails quase que diariamente com dúvidas sobre o jogo em si, sugestões e elogios sobre algo ou até mesmo com mensagens como se fossem pedidos de socorro, de famílias que simplesmente não sabem quais passos dar para ajudar o seu filho. Inclusive, consultamos a nossa equipe técnica para que a resposta possa ajudá-los ao máximo. Quando a interação tem origem no Brasil, às vezes tentamos envolver a Apae daquela cidade, pois nada substitui o contato direto dos profissionais que atuam na área. Eles são os que mais podem ajudar a família. Por isso, tentamos unir essas duas partes”, explica. 

Cohin afirma que o crescimento de usuários e de downloads do Jade, pelo menos nos primeiros 18 meses, foram totalmente virais. “Os downloads simplesmente se multiplicavam a cada dia. Chegamos a ter quase 4 mil em um só dia”, conta. Recentemente, muitos influencers que dialogam com a causa e com familiares de autistas entram em contato com a equipe espontaneamente para falar sobre o Jade. “Acreditamos no poder da corrente do bem”, completa. 

Atualmente, a plataforma tem 75 mil downloads sendo que apenas 40% é feita no Brasil, facilitado pelo fato do app ser em português, inglês e espanhol. Além dos usuários, o aplicativo atende 50 clínicas com os relatórios, ajudando nas rotinas desses profissionais. Todas as Apaes do Espírito Santo hoje usam o Jade.   

Você se interessou e quer conhecer o aplicativo? Ele está disponível gratuitamente para usuários de Android e iOS. Você pode acompanhar mais informações no Instagram ou no próprio site da iniciativa. 

Foto de crianças e jovens sentados na frente de seus respectivos computadores em uma sala. Há uma criança em uma cadeira de rodas. As telas mostram desenhos.
Uso da plataforma Jade na Apae de Nova Venécia-ES. Foto: Divulgação Apae Nova Venécia-ES.

*Elza Maria Albuquerque é produtora de conteúdos do Movimento Web para Todos.

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