Acessibilidade digital: da inovação à necessidade

Em entrevista ao WPT, Renato Kimura, CIO do ProDeaf, aborda as principais barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência auditiva.



Foto de quatro homens em pé sorrindo para a câmera em um ambiente fechado, amplo, com sofás e cadeiras. Um deles segura uma almofada com o símbolo da ProDeaf.
Na foto, da esquerda para a direita, parte da equipe ProDeaf: Flávio Almeida, Arthur Nascimento, Victor Rafael e Renato Kimura.

Muitas pessoas não sabem, mas grande parte da população surda não é plenamente alfabetizada e encontra barreiras para navegar na web – segundo informações da ProDeaf, organização parceira do movimento Web para Todos. “O surdo tem dificuldades de entender grande parte dos textos da web. Sem contar quando vídeos e conteúdos multimídia com som não têm tradução em Libras, a Língua Brasileira de Sinais – ou sequer legenda, para os surdos alfabetizados. A principal dificuldade é essa: informação na língua materna do surdo, que é a Libras”, diz Renato Kimura, CIO da ProDeaf.

A compreensão do que é esse contexto, na prática, muitas vezes só acontece quando alguém tem contato direto com um surdo. Foi a partir de uma situação assim que a ProDeaf nasceu. Um grupo de amigos, estudantes de mestrado em Ciência da Computação da Universidade Federal de Pernambuco, que queria interagir com um colega surdo, mas encontrou dificuldades em se comunicar. Eles desenvolveram o primeiro aplicativo para comunicação entre surdos e ouvintes: o ProDeaf, um conjunto de softwares capazes de traduzir texto e voz de português para Libras, com objetivo de permitir a comunicação entre surdos e ouvintes,. Hoje, eles são sócios e dirigem a empresa, e o amigo surdo é consultor da ferramenta.

WPT: Desde a criação, quais são as vitórias que vocês tiveram na trajetória? 

Renato: A ProDeaf nasceu como empresa em 2013, com o lançamento do nosso aplicativo móvel e com a tradução do primeiro site e nosso primeiro cliente. Mas, como grupo, a iniciativa da ProDeaf já existe há mais de seis anos. Com alegria, já recebemos vários prêmios que reconhecem nossa contribuição para o público com deficiência e o fator inovador da tecnologia que criamos. Como seria injusto escolher só um prêmio, podemos citar dois: o primeiro foi uma nomeação pelo Google, como um dos aplicativos, entre vários no mundo todo, que traz mais impacto social para seus usuários. Além do critério de inovação, esse prêmio considerava nota média de avaliação, e feedback dos usuários, e serve para nós como um termômetro de como nosso público percebe o que fazemos.

O segundo, corporativo, é o e-Finance, na categoria acessibilidade, prêmio que um de nossos clientes do setor bancário conquistou depois que tornamos acessíveis seus mais de 31.500 caixas eletrônicos, usando tecnologia ProDeaf.

WPT: Como tem sido o impacto da plataforma? 

Renato: O impacto tem sido muito positivo! Na verdade, é uma das principais motivações dos funcionários da ProDeaf! Todos os dias, coletamos feedbacks dos usuários nas lojas de aplicativos, e os relatos são os mais diversos! Os mais marcantes são de um médico no interior de Goiás que utilizou o aplicativo para se comunicar emergencialmente com um paciente surdo, perguntando onde doía e dando instruções básicas do que seria feito. Outro relato interessante é de Santo Antônio da Posse, cidade do interior de São Paulo, onde uma coordenadora de escola recebeu uma aluna surda, e precisou estabelecer comunicação com a estudante até receber um profissional especialista no idioma. Em todos esses contextos, o ProDeaf foi utilizado no processo de comunicação. Já em educação, um dos casos mais marcantes foi de um jovem que não falava com o próprio pai, por ser surdo, e o pai ouvinte que não sabia Libras. Após conhecer o app, o pai começou a se interessar mais pela língua, e aprendeu as primeiras palavras para se comunicar com o filho.

WPT: Quais são as perguntas mais comuns em relação à plataforma?

Renato: A principal é se um dia o ProDeaf vai substituir o intérprete humano – isso já foi, inclusive, tema de palestras nossas em conferências de línguas de sinais na UNICAMP e no próprio INES (Instituto Nacional de Educação dos Surdos, no RJ). E a resposta é: não! (risos) Entre outras definições, o ProDeaf é uma ferramenta, e deve ser usada como um recurso para que as pessoas surdas tenham mais autonomia, e para que os ouvintes tenham mais contato com a língua brasileira de sinais, se informem e aprendam mais. Isso não significa que a nossa missão é substituir o intérprete de carne e osso – e mesmo que quiséssemos, isso não é possível.

WPT: Tem alguma história positiva para compartilhar com a gente?

Renato: Além dos relatos bacanas que temos recebido, um dos nossos alertas sobre o nome ProDeaf na Internet capturou essa notícia de um departamento de bombeiros na cidade de Germantown, nos EUA. Além de positiva, nos deixou muito animados, pois mostra como o aplicativo tomou rumos e chegou em lugares que nunca imaginaríamos! A ponto de um departamento de bombeiros estar aprendendo mais sobre língua de sinais com o app, e dar um depoimento totalmente espontâneo sobre nosso trabalho lá longe, nos Estados Unidos!

WPT: De que forma o público com deficiência auditiva tem recebido o ProDeaf? E os ouvintes?

Renato: Sem dúvida, temos alguns pontos de melhoria. Em geral, a percepção do público é muito boa. Temos uma média de avaliações de 4,6 estrelas na Google Play, por exemplo, o que já nos rendeu, junto com outros fatores, uma indicação para melhor aplicativo social do mundo pelo Google. Entre os pontos que o público ressalta, destacamos a vontade de um maior número de palavras/sinais cadastrados (e olha que são mais de 10.000!) e uma personagem feminina no app gratuito.

WPT: As empresas têm se preocupado mais com a acessibilidade na web? Quais são os sinais? 

Renato: Sim! Sem dúvida. Leis como a Nº 13.146, de 6 de julho de 2015, ajudam a fomentar a discussão de uma web mais acessível. O próprio governo começa a se mobilizar, e já é possível ver acessibilidade em Libras nos principais sites públicos, assim como um início de movimento em órgãos públicos, como aeroportos. O próximo passo pode ser uma maior fiscalização quanto ao cumprimento da lei, assegurando a adoção dos recursos de acessibilidade.

WPT: E a sociedade? Você percebe que há uma preocupação maior na inclusão?

Renato: Quanto mais temos falado sobre o tema, maior é o movimento, e mais voz damos às pessoas com deficiência. Há, sim, uma preocupação crescente com a inclusão, seja em informativos de transporte público, seja em emissoras de TV que abrem espaço para a pessoa com deficiência se mostrar como autônoma e independente, e não mais aquela antiga visão assistencialista. Até meados de 2016, a acessibilidade estava ligada ao termo “inovação”. Isso é ótimo do ponto de vista da adoção dos recursos acessíveis e da quebra de barreiras para tanto. De um ano para cá, acessibilidade tem sido encarada como uma necessidade! A mentalidade das empresas passa a ser “eu preciso começar meu projeto já acessível desde o início” e isso, sem dúvida, muda totalmente a dinâmica da inclusão!

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